BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As empresas brasileiras sentem cada vez mais os impactos da operação-padrão dos auditores fiscais da Receita Federal, iniciada em dezembro do ano passado. De 163 operadoras do comércio exterior, 72% tiveram sua produção afetada em abril.
No caso das importadoras, o atraso na entrega de mercadorias aos clientes afetou 23,9% das empresas no mês passado, ante 7% em janeiro. Com a dificuldade para conseguir insumos e matérias-primas, o número de companhias que interromperam a produção quase triplicou no período, saltando de 7,8% para 21,2%.
O levantamento foi feito pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) entre 29 de março e 8 de abril. A lentidão no desembaraço das mercadorias é o principal problema apontado pelas companhias ouvidas, que também reclamam dos atrasos nas entregas aos clientes.
No caso das exportadoras, os atrasos foram relatados por 40,2% das companhias participantes da consulta, um aumento de 16,8 pontos percentuais na comparação com o resultado da pesquisa realizada em janeiro pela CNI.
Uma dessas empresas é a Samtronic, que trabalha com produtos médico-hospitalares de primeira necessidade ao tratamento da Covid-19.
Segundo Pedro Silveira, diretor de Administrativo e Controladoria da Samtronic, o desembaraço alfandegário (liberação da mercadoria nos aeroportos e portos do país) tem levado de 20 a 40 dias para ser concluído, gerando, assim, uma série de consequências.
O primeiro impacto mencionado por ele recai sobre os clientes, como hospitais que estão à espera dos produtos para a realização de tratamentos. “Os principais países que nós estamos tendo problema são Honduras e Paraguai”, disse.
O abalo sobre a imagem da empresa e a questão financeira são outros problemas descritos por Silveira.
“O segundo impacto é institucional, é a nossa marca. Ninguém vai entender que o fiscal da Receita está em greve, vão dizer que a empresa não entrega [a mercadoria]”, afirmou.
Diante dos entraves, a Samtronic teme perder contratos, mas também não conseguir mais entrar no mercado dos países. Segundo levantamento da CNI, o cancelamento de contratos de exportadoras subiu de 1,8% para 7,6% de janeiro a abril deste ano.
Outras dificuldades registradas na consulta foram a demora nas inspeções das cargas, custos adicionais associados à armazenagem, logística e movimentação das mercadorias, maior rigidez nas inspeções das cargas e no uso dos canais de verificação e mais.
Isac Falcão, presidente do Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores da Receita Federal do Brasil), diz compreender a preocupação dos empresários brasileiros, mas ressalta as dificuldades da categoria.
“No que diz respeito ao controle de comércio exterior, a gente precisa de segurança e agilidade, mas quando você tira recursos e pessoas, não tem condições de ter as duas coisas. O Brasil está trabalhando sem gente e sem equipamento, não tem possibilidade de controlar o que está entrando com agilidade”, disse.
Na operação-padrão, segundo o sindicato, as cargas são vistoriadas com o devido rigor, o que não vinha sendo feito normalmente por falta de pessoal.
“Quando empresários do ramo industrial veem essas filas com preocupação, a gente compreende, mas muito pior seria se a gente não tivesse controle aduaneiro no Brasil. Um país que não controla as mercadorias que entram e saem do país tem muita dificuldade de ter uma indústria nacional, fica vulnerável à concorrência desleal de produtos vindos do exterior”, complementou Falcão.
Constanza Negri Biasutti, gerente de Comércio Exterior da CNI, aponta que a continuidade do movimento dos auditores da Receita já resulta em prejuízos de médio e longo prazo para as empresas brasileiras, agravando a situação do setor produtivo brasileiro, que já enfrenta obstáculos estruturais e de competitividade.
“A gente começa a ver um segundo grupo de impactos que tem a ver com o próprio processo produtivo, isso nos traz uma preocupação maior e uma urgência maior para poder achar alguma solução viável a essa questão da paralisação”, disse.
O presidente do Sindifisco Nacional chama atenção para o corte de quase 50% no orçamento da Receita Federal para 2022, a falta de concursos públicos para repor a perda de 40% do efetivo ocorrida nos últimos anos, além da regulamentação da Lei 13.464/2017, que trata da instituição da gratificação de desempenho (ainda não regulamentada), entre outras medidas de estruturação da carreira.
Somada à operação-padrão nas fronteiras, a mobilização também se traduz na entrega de cargos de chefia. Até 3 de maio, o Sindifisco recebeu comunicado de 1.498 cargos de chefia entregues por auditores fiscais, dos quais 479 foram oficializados com a publicação da portaria de exoneração.
Além disso, cerca de cinco mil auditores manifestaram o compromisso de não assumir qualquer cargo comissionado na Receita até que sejam efetivadas melhores condições de trabalho.
Segundo Falcão, a mobilização não deve arrefecer nas próximas semanas. “Não tem perspectiva da situação da Receita se normalizar porque o governo não sinaliza reposição do orçamento, não sinaliza a realização de concurso público e não sinaliza a regulamentação da lei”, disse.
Procurada, a Receita Federal disse que “não se manifesta sobre greve ou mobilizações”.
O QUE FAZ A RECEITA FEDERAL
A Receita Federal é responsável pela estrutura do sistema de arrecadação de tributos federais e parte da dos estados e dos municípios, via fundos de participação, o que sustenta os orçamentos da seguridade social e do Estado. É responsável pela normatização, fiscalização e julgamentos administrativos, quando os contribuintes questionam o pagamento de tributos. Estão sob o guarda-chuva da Receita Federal para efeito de arrecadação:
Nos aeroportos
35 terminais de passageiros
41 terminais de cargas
Nos portos
38 terminais, organizados em 44 instalações portuárias fluviais e lacustres e em 165 instalações portuárias marítimas
Na fronteira Terrestre
27 postos de fronteira
10 delegacias;
No interior do país
66 portos secos
7 centros logísticos industriais aduaneiros
3 centros de distribuição de remessas postais internacionais
3 polos de processamento de remessas expressas.
Deve monitorar:
16 tributos federais, entre impostos, contribuições e taxas
– IRPF (Imposto sobre a renda das pessoas físicas)
– IRPJ (Imposto sobre a renda das pessoas jurídicas)
– IRRF (Imposto sobre a renda retido na fonte)
– CSLL (Contribuição social sobre o lucro líquido)
– IOF (Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários)
– ITR (Imposto territorial rural)
– IPI (Imposto sobre produtos industrializados)
– II (Imposto de importação)
– IE (Imposto de exportação)
– Contribuições previdenciárias das pessoas físicas
– Contribuições previdenciárias das pessoas jurídicas
– Contribuição para o PIS/Pasep e Cofins
– Cide-combustíveis (Contribuição de intervenção no domínio econômico incidente sobre as operações realizadas com combustíveis)
– Cide-remessas (Contribuição de intervenção no domínio econômico incidente sobre as as remessas ao exterior)
– AFRMM (Adicional ao frete para renovação da marinha mercante)
– Taxa de utilização do Siscomex
Fonte: Yahoo Finanças