A resolução 13, a guerra fiscal e o caos tributário


Autor(es): Glauco José Côrte e Nelson Madalena

Valor Econômico – 17/05/2013


Um dos mais polêmicos impostos, o ICMS é objeto de estudos, pareceres, projetos de emenda à Constituição, de leis complementares e inclusive de manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF). As maiores controvérsias estão nos incentivos fiscais e na divisão da arrecadação. Não faltam sugestões de medidas simplificadoras, modernizadoras e harmonizadoras, mas elas não são implementadas devido ao impacto nas finanças dos Estados. Enquanto uma reforma ampla não é aprovada, alterações pontuais são realizadas, de acordo com a gravidade do problema a ser enfrentado. Mas essas soluções, embora resolvam alguns problemas, criam outros ou agravam os existentes, desorganizando a tributação a ponto de não termos mais um “sistema tributário”. Também comprometem a segurança jurídica e geram custos ao setor produtivo.

Um exemplo disso é a Resolução 13/2012. Aprovada pelo Senado com o objetivo de acabar com a chamada guerra dos portos, ela fixa alíquota interestadual de 4% para produtos importados ou produzidos a partir de matéria-prima importada. Até então, eram duas as alíquotas interestaduais, de 12% e de 7%. Desde janeiro, são três. Como a alíquota interestadual é o parâmetro para determinar o conceito de benefício fiscal, pois a Constituição prevê que a alíquota interna não pode ser menor do que a interestadual, surge a questão de qual das três deve balizar a política fiscal que cada Estado pode praticar sem submeter ao Confaz.

É o primeiro efeito colateral da Resolução, pois pode prevalecer o entendimento de que a alíquota interestadual determinante da interna mínima seja a de 4%. Neste caso, o efeito será contrário ao pretendido, pois o produto importado poderá ter um tratamento tributário vantajoso, comparativamente ao brasileiro, desestimulando a produção local. Ainda que continue a vigorar na importação a alíquota de 17%, legislações estaduais autorizam a concessão de regimes especiais de tributação, contemplando créditos presumidos e diferimentos parciais, na entrada e na operação interna seguinte, de modo que, até que ocorra a operação interestadual, a carga tributária final fique igual ou inferior a 4%, criando tratamento desigual entre o produto importado e o nacional, em detrimento do segundo.

Como saber se um produto, na operação interestadual, é feito com matéria-prima importada ou nacional?

Pode-se argumentar que o imposto na operação interestadual não integra o custo de aquisição e o diferencial é recolhido nas etapas subsequentes. O argumento procede só em parte, pois quando o adquirente é enquadrado no Simples, por exemplo, não existe crédito e o imposto da aquisição é custo final. Para contornar o problema, os Estados vêm exigindo o diferencial de alíquotas, na entrada da mercadoria nos seus territórios, gerando novos controles, a cargo do contribuinte, que afetam a competitividade das empresas nacionais. Além disso, existe a questão do prazo de estocagem, pois o imposto pago a mais na aquisição constitui adiantamento de parte do custo final do produto.

Indústrias de médio porte, de diversos setores, estão ameaçadas, pois vendem para comerciantes enquadrados no Simples. Sujeitas à carga tributária de 12%, elas concorrerão com importados tributados em 4%.

A diferenciação entre produto com e sem similar nacional gera outro imbróglio: a certificação do conteúdo de importação. O Confaz determinou a indicação, na nota fiscal, do valor da importação, que implica abertura do sigilo comercial e fere o direito da livre iniciativa. O fisco exigir do contribuinte o fornecimento de dados sobre a estrutura de preço das mercadorias é diferente de obrigá-lo a indicar nos documentos fiscais dados que podem comprometer a própria transação ou transações futuras. Mais grave ainda é instituir isso via norma complementar, pois o Confaz não tem poder para definir direitos e obrigações primárias.

O já oneroso custo burocrático tende a aumentar, com os controles necessários a determinar o custo de importação. O adquirente também corre o risco de ser confrontado pela fiscalização de seu Estado caso o vendedor aplique alíquota de 12% em vez de 4%. Outro problema é determinar qual é a matéria-prima que resultou em determinado produto, nos casos em que o industrial processa insumo de origem estrangeira e nacional, vendendo para dentro e fora do Estado. Como especificar se determinado produto, que está sendo vendido na operação interestadual, é resultante da matéria prima importada ou nacional?

Um terceiro ponto, para os Estados que não adotam regimes especiais nas operações antecedentes à interestadual, é que a existência de uma alíquota menor do que as demais, em determinada etapa do processo de circulação, compromete o já complexo sistema da não cumulatividade. Trata-se do problema do acúmulo de crédito. O Estado que não conceder diferimento nem reduzir o imposto da importação inviabilizará as tradings, que não poderão operar taxando a importação em 17% e a operação seguinte em 4%. Mesmo empresas industriais, que usam matéria-prima importada, dependendo da margem de valor agregado, poderão acumular créditos.

É necessária uma lei complementar para disciplinar as questões aqui levantadas, pois do contrário cada Estado poderá adotar medidas protegendo seus interesses, em detrimento da harmonização da tributação. O ideal é uniformizar a tributação nas operações interestaduais, com uma única alíquota, projeto já em tramitação no Senado Federal, e a alteração da Lei Kandir, estabelecendo regras claras sobre eventual crédito decorrente da diferença entre a alíquota interna e a interestadual, para não onerar o setor produtivo.

Sem uma compatibilização das regras que regem a não cumulatividade com a alíquota reduzida na operação interestadual poderá ocorrer o que aconteceu com a recente redução das contribuições federais PIS/Cofins, em que verificou-se que ela não atingiu seus objetivos, já que as incidências das operações anteriores geram créditos que mitigam ou anulam o benefício concedido.


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