Mercosul busca consenso para propor acordo à UE (Folha de São Paulo)
Por Clóvis Rossi
Depois de ao menos dois meses de pressão do governo brasileiro, a Argentina finalmente resolveu apresentar a sua proposta para as negociações entre o Mercosul e a União Europeia com vistas a um acordo de livre-comércio.
Consequência imediata: técnicos dos quatro países sul-americanos reúnem-se hoje em Caracas para tentar compatibilizar as respectivas propostas, de forma a chegar a um documento único a ser apresentado aos europeus.
O prazo vai até o fim do ano, conforme compromisso assumido em janeiro pelas partes.
Brasil, Uruguai e Paraguai já têm suas próprias propostas, apesar de o Paraguai ainda não ter sido formalmente readmitido no bloco. A Venezuela, presidente de turno do Mercosul, não participa da negociação com os europeus porque ainda está no estágio de adaptação às regras do conglomerado sul-americano.
Para que a negociação com os europeus possa caminhar, é preciso que os dois blocos apresentem propostas que representem a derrubada de barreiras para algo em torno de 90% do comércio. É a única maneira de a OMC (Organização Mundial do Comércio) aceitar benefícios a um país (ou no caso a um bloco), sem que seja obrigatório estendê-los a todos os demais membros da instituição global.
É o que o jargão diplomático chama de cláusula de nação mais favorecida.
A Argentina vinha resistindo a apresentar uma proposta com essa abrangência por temor de que sua indústria fosse devastada pela concorrência de produtos europeus.
O governo brasileiro não conhece os detalhes da proposta que os argentinos apresentarão, mas acredita que conseguiu convencer os parceiros de que, sem chegar perto dos 90%, o processo negociador com os europeus será sepultado de uma vez.
A negociação Mercosul/UE começou há quase 20 anos, mas avançou pouco ou nada. Chegou a ficar completamente travado durante o governo Lula, mas foi retomado timidamente no fim dele, mais exatamente em 2010.
PERSPECTIVAS
Hoje em Caracas será a primeira vez desde então que cada membro do Mercosul conhecerá as propostas dos parceiros, o que torna difícil prever quais são as perspectivas de compatibilização.
A harmonização é necessária porque o mandado outorgado à Comissão Europeia pelo Conselho Europeu, suprema instância do bloco de 28 países, obriga a uma negociação com o Mercosul, não com cada país em particular.
Em todo o caso, se for impossível compatibilizar as quatro propostas, o Mercosul acredita que seria possível obter dos europeus alguma flexibilização para aceitar propostas parcialmente separadas.
RESISTÊNCIA
Uma zona de livre-comércio UE/Mercosul seria a maior do mundo, mas, mesmo assim, grande parte do empresariado industrial brasileiro resistia até recentemente à negociação porque, como agora admite o governo, houvera uma simplificação abusiva: a sabedoria convencional, inclusive dos negociadores, era que o Mercosul entraria com a abertura de seus setores industrial e de serviços, em troca de concessões europeias em agricultura (que jamais se materializaram).
Agora, no entanto, depois de 16 reuniões setoriais com o empresariado industrial, o Ministério da Indústria, Comércio e Desenvolvimento convenceu-os de que “haverá importantes ganhos também para o setor”.
A agricultura não precisava ser convencida porque a tremenda competitividade do agronegócio brasileiro tornava-o ganhador natural em um acordo com os europeus.