Por Rodrigo Pedroso e Marta Watanabe, de São Paulo
O acerto na reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Bali, no fim de semana, foi importante para resgatar o papel do órgão de discussão multilateral no cenário internacional. O acordo, porém, não tira a importância, para o Brasil, de manter negociações bilaterais ou regionais, como o acordo entre União Europeia e Mercosul. Muito pelo contrário. Mostra a necessidade do país de traçar uma estratégia dentro do comércio mundial. Essa é a opinião de analistas que acompanham o assunto.
Para Lia Valls, professora de Fundação Getulio Vargas (FGV) e pesquisadora do Ibre, o acordo de Bali sinaliza a retomada das discussões e avanços de grandes acordos comerciais na economia global. Ela diz, porém, que o Brasil não possui uma estratégia clara para o setor.
Em debate organizado pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso (IFHC), Lia afirmou que a decisão de Bali faz com que o tema, que estava fora do debate econômico, volte a ganhar certa importância, principalmente entre os empresários. “Uma das nossas grandes apostas era a integração sul-americana, que avançou muito em termos de retórica e pouco na realização física. O Brasil não é protecionista. Acontece que não temos muito claro o que realmente queremos. Antes de se discutir qual acordo queremos, o país precisa discutir se quer abrir a economia ou não”, disse a pesquisadora.
Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), também acredita que o acordo UE-Mercosul deve continuar na agenda. Para ela, é uma sinalização importante que o Brasil pode dar para mostrar que está aberto a acordos comerciais. Ela diz, porém, que os próximos passos a serem tomados pelo governo, que deve entregar uma proposta para o acordo até o fim deste mês, estão acontecendo mais por pressões de fora do que por mudança de orientação sobre o tema. Sandra disse que o anúncio da retomada das negociações sobre o acordo em 2010 causou espanto entre analistas. Não houve, nos últimos anos, mudança substancial nos entes privados e no governo em relação a 2004, quando as tratativas foram paralisadas.
“O ideal agora é mesmo que as ofertas não sejam consideradas estimulantes e suficientes, algum tipo de acordo saia. É melhor um tratado menos ambicioso do que nenhum. É interessante para o Brasil repensar a política de inserção internacional e isso não vai acontecer sem disposição interna para abertura comercial”, disse Sandra. Para Ricardo Markwald, presidente da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), a discussão sobre os acordos internacionais tem tornado mais intensa a sensação de isolamento do Brasil. Markwald destaca que a sensação não acontece à toa. Estudo com base em comparação de 25 indicadores de vários países emergentes, incluindo países dos Brics e a Argentina, diz, mostra que o Brasil é o país mais fechado e mais isolado das cadeias globais de valor.
Há alguns fatores, porém, que ajudam a entender a situação brasileira atual, acredita Markwald. Uma delas, destaca, é que o Brasil é um país com grande mercado interno, que praticou com razoável êxito a política de substituição de importações, baseada em política protecionista. Outro dado importante, diz ele, refere-se à abertura de mercado no Brasil. Ele lembra que a liberalização das importações foi um processo imposto ao setor privado, não negociado. A sensação de isolamento atual, porém, diz, cria uma pressão a favor de um acordo com UE.
Para os especialistas, as grandes negociações em andamento também tornam mais importante a definição do Brasil de uma estratégia comercial. A possível assinatura do Tratado Transatlântico, acordo de liberalização comercial entre UE e Estados Unidos, deve ter impacto na economia global. De acordo com Rafael Estela, do Real Instituto Elcano, não haverá avanços na redução das tarifas entre as partes. O maior impacto do eventual acordo será na liberalização de bens e serviços e na desburocratização e uniformização de regras e procedimentos nas trocas entre europeus e americanos.
A estimativa de Estela é que o acordo aumente em 28% a corrente de comércio entre as partes. Caso o acordo saia dentro dos parâmetros estimados – não toca em pontos sensíveis como subsídios governamentais à agricultura, indústria aeronáutica, financiamento públicos à produção e regras fitossanitárias para alguns produtos alimentícios -, os países do norte e do oeste da África serão os mais afetados.
Além de custos menores para as transações de bens e serviços, cairão regras de preferência e tarifas especiais para os países das duas regiões africanos. Para o Brasil, Estela prevê que a corrente de comércio com a UE se reduza entre 1% e 2% com o intercâmbio mais intenso com os EUA. “Também haverá recuo em outros países sul-americanos e asiáticos. A tendência é que países como México e Chile redesenhem seus acordos para ganharem mais dinamismo nas trocas com europeus e americanos.”