As incertezas em torno da renovação do Sistema Geral de Preferências (SGP) nos Estados Unidos deixam os exportadores brasileiros assustados e já levaram o governo Dilma a enviar recados à Casa Branca sobre sua preocupação com o assunto. O mecanismo, que reduz para zero as tarifas de importação de aproximadamente três mil produtos vendidos ao mercado americano por países em desenvolvimento, expirou há quase seis meses e enfrenta dificuldades para ser prorrogado pelo Congresso dos EUA.
Em 2012, o SGP beneficiou exportações brasileiras que somaram US$ 2,3 bilhões – incluindo produtos tão diferentes como milho e pistolas da empresa gaúcha Taurus. No ano passado, foram US$ 1,25 bilhão até o dia 31 de julho, quando o mecanismo atual perdeu validade. Isso representou quase 10% das vendas ao país.
Inicialmente, a renovação do SGP não parecia correr riscos e exportadores brasileiros demonstravam tranquilidade com a promessa de que o benefício seria retroativo, quando fosse aprovado
pelo Congresso. O problema é que sua tramitação estancou e não há sinal de que vá avançar.
“Atrasos de até seis meses são relativamente comuns e a prorrogação do SGP costuma vir com o reconhecimento da retroatividade no benefício”, afirma o gerente-executivo de comércio exterior da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Diego Bonomo. “Quando se ultrapassa esse prazo, fica difícil para o exportador manter o preço em dólares, mesmo contando com a promessa do desconto tarifário mais à frente.”
Segundo ele, as alíquotas de importação aplicadas sobre os produtos beneficiados pelo SGP raramente ultrapassam 10%. “Mas essa pode ser justamente a diferença, no caso das empresas brasileiras, entre ganhar ou perder um contrato, por exemplo, para um fornecedor chinês ou mexicano. E, depois de perder mercado, reconquistá-lo é muito mais difícil”, acrescenta Bonomo.
Até agora, o projeto enviado pela Casa Branca para a renovação do SGP continua praticamente na estaca zero. Sua maior chance de sair do lugar é sendo anexado, como emenda, ao pedido de autorização feito pelo presidente Barack Obama para fechar acordos de livre comércio como a Parceria Transatlântica (com a União Europeia) e a Parceria Transpacífica (com oito países da Ásia, América do Sul e Oceania).
Só que essa possibilidade também corre riscos de naufragar. A própria base democrata de Obama coloca restrições a esses acordos e impõe, a reboque, ameaças à renovação do SGP. O senso de urgência já começa a aumentar porque se sabe que o segundo semestre será dominado pelas eleições legislativas nos EUA. Ou seja, dá-se como certo que é preciso resolver todo o processo de tramitação até o recesso de verão, a em julho. E isso inclui aprovar a prorrogação na Câmara dos Representantes e no Senado.
Em entrevista ao Valor, o secretário-adjunto de Comércio dos EUA, Ken Hyatt, deixou claro que o governo americano defende a renovação do SGP, mas jogou a responsabilidade sobre o assunto para os parlamentares.
“Estamos nos esforçando para isso, mas de vez em quando há dificuldades em conseguir aprovar legislações no Congresso”, afirmou Hyatt. Ele lembrou que “não é a primeira vez” em que a prorrogação do benefício sofre atrasos e disse “ouvir queixas de outros países” sobre essa demora, mas reforçou a sinalização de retroatividade na aplicação do desconto. “Estamos trabalhando duro nisso”, reiterou o número 2 do Departamento de Comércio, que está interinamente no cargo, referindo-se aos trâmites legislativos.
Ao todo, em 2012, quase US$ 20 bilhões em exportações de países em desenvolvimento aos EUA gozaram de descontos graças ao sistema de preferências tarifárias. O Brasil é o terceiro maior beneficiado – só perde para a Índia e a Tailândia. As exportações da China não são contempladas pelo SGP e, portanto, não têm nenhum tipo de desconto. A alíquota zero faz toda a diferença para importadores e exportadores, mas é irrelevante do ponto de vista fiscal: o Tesouro americano abre mão de menos de US$ 800 milhões por ano para sustentar o benefício – o orçamento anual costuma superar US$ 3 trilhões.
Enquanto o impasse não é superado, crescem as pressões – vindas de dentro e de fora dos EUA – sobre a Casa Branca e o Congresso. No dia 28 de janeiro, todos os congressistas americanos receberam uma carta assinada por 463 companhias e associações empresariais americanas. Na carta, à qual o Valor teve acesso, elas fazem um apelo pela renovação “imediata” do SGP e calculam um acréscimo de custos da ordem de US$ 2 milhões por dia, em pagamento de tarifas, para importar produtos de países em desenvolvimento.
“Não podemos mais esperar”, afirmam as empresas que assinam o manifesto. Isso dá o tom exato do caráter do benefício nos EUA. Na União Europeia, o SGP é considerado um instrumento de política externa para ajudar países pobres – sob essa alegação, inclusive, o Brasil deixou de fazer parte dos beneficiados em janeiro. Para a economia americana, onde existe desde 1976, é visto como fator de competitividade, ao reduzir custos de importação.
Do lado governamental, também foram emitidos sinais de preocupação. “A gente tem aproveitado qualquer oportunidade para dar o recado da importância da renovação do SGP”, diz Márcio Lima, diretor de negociações internacionais da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento.
A última menção foi feita diretamente ao secretário Hyatt, durante o último encontro do Diálogo de Comércio Brasil-EUA, há dez dias. Enquanto o tema não é resolvido, Lima faz um alerta importante aos exportadores: eles devem continuar colocando, no verso das faturas comerciais, que o produto está sendo vendido no âmbito do SGP. “Isso é decisivo, mais adiante, para obter a retroatividade do benefício”, adverte.
Fonte: Brasil Econômico (17/02/2014)