Convalescente de uma crise política que ameaçou a sobrevivência do governo, mergulhada em um torvelinho econômico que reduziu a disponibilidade de moeda estrangeira e de bens de primeira necessidade, a Venezuela desafia a diplomacia brasileira.
O governo brasileiro negocia uma fórmula para evitar danos ao comércio bilateral, já que o país paga a maior parte das compras à vista e garante ao Brasil o terceiro maior saldo comercial, só atrás da China e da Holanda (por onde passa parte importante do comércio com os europeus).
“Queremos ampliar o mercado e colocar o Brasil em uma posição estratégica na economia venezuelana”, argumenta o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ricardo Schaefer, que esteve por três dias em Caracas, encontrou-se com cinco ministros e com o vice-presidente para a Área Econômica, Rafael Ramirez, responsável pelo principal motor da economia venezuelana, a petroleira PDVSA.
O país importa, anualmente, US$ 12 bilhões em alimentos, 30% dos quais do Brasil. Do total de importações venezuelanas, o Brasil responde por 10%, abaixo dos EUA (23%) e da China (17%), mas bem acima da Colômbia (5%), que já foi o segundo mais relevante parceiro comercial dos venezuelanos.
Decidido a criar uma base industrial e fortemente dependente de importações, devido a décadas de uma economia sustentada na exportação de petróleo, a Venezuela patina, mas ainda é um mercado cobiçado no continente, principalmente pelos chineses, que expandiram os negócios lá na base da troca, de bens industrializados por petróleo, sem gerar divisas em moeda forte.
O Brasil, entre janeiro e julho deste ano, acumulou superávit de quase US$ 1,9 bilhão, 8% acima do resultado no mesmo período de 2013. As vendas têm se concentrado progressivamente em produtos básicos, especialmente carnes e animais para criação e abate, prioridade para um governo que enfrenta especulação e desabastecimento, a ponto de decretar a exigência de identificação biométrica para os compradores nos mercados subsidiados pelo governo.
Schaefer busca mecanismos negociados para garantir a expansão dos negócios brasileiros no país vizinho e formas de evitar os recorrentes atrasos de pagamentos motivados pelo aperto cambial venezuelano. O fato de ter sido recebido pelos principais auxiliares do presidente Nicolás Maduro, com declarações de interesse em aprofundar a relação com o Brasil, anima Schaefer a acreditar em melhoria nas relações comerciais.
A viagem não resultou em garantia formal de pagamentos dos recursos atrasados e de liberação de operações de câmbio para importações de produtos brasileiros, mas o governo reativou o grupo interministerial criado para tratar dos problemas pontuais e dos projetos de cooperação.
Os exportadores de produtos industrializados, que já foram mais relevantes no mercado venezuelano, têm sido prejudicados pelo sistema de controle de câmbio, que tem barrado a autorização de compra de dólares pelos importadores. O governo Maduro faz uma espécie de rodízio informal, brecando operações em um setor até que as pressões o levam a liberar a compra de dólares e passar a criar barreiras em outro setor.
Em um sistema informal desse tipo, a normalização de pagamentos depende de pressão ou de muita diplomacia. Em Brasília optou-se pela diplomacia, para abrir canais com as autoridades venezuelanas capazes de remover impasses nos pagamentos de importações.
Negocia-se, por exemplo, uma saída para pagar as dívidas locais com a Gol, afetada, como outras companhias aéreas, pelo bloqueio de dólares. Negociar um acordo sobre barreiras não tarifárias, parte da adesão da Venezuela no Mercosul, também está na agenda.
Na primeira quinzena de novembro, possivelmente em Manaus, Brasil e Venezuela reúnem seu “grupo de trabalho econômico comercial” para essa negociação. “O grupo organiza nossa interlocução, o que é importante ao tratar com a Venezuela; vamos nos reunir a cada três meses”, informa o secretário-geral. Os ministérios de Desenvolvimento e Indústria dos dois países coordenarão o grupo e devem levar as decisões diretamente aos presidentes, quando necessário, diz Schaefer.
Os dois governos devem discutir modos de ligar as cadeias de produção nos dois países, importando aço da Venezuela para estaleiros no Norte do Brasil, que poderão atender a necessidades da PDVSA em suas operações fluviais, por exemplo. Uso de fertilizantes como a ureia da Venezuela, ou de minérios extraídos no país vizinho para a indústria eletroeletrônica de Manaus, estão entre os projetos em estudo. O Brasil acenou com a importação até de coque verde, combustível que poderia gerar recebíveis de até US$ 300 milhões, a serem negociados para pagar exportadores do Brasil.
A constatação de que os projetos industriais da Venezuela com apoio chinês, russo e iraniano resultaram em pelo menos 70 fábricas com baixa ou nenhuma produtividade no país leva os venezuelanos a discutir projetos de cooperação com o Brasil, que teriam apoio governamental e atuação das indústrias brasileiras.
Autoridades brasileiras cogitam apoiar investimentos que resultem em importações de equipamentos e máquinas do Brasil. Executivos da indústria dizem ser uma boa ideia, se houver garantias oficiais de fato.
O governo vê sinais, como a correção de alguns preços, de que o governo Maduro tenta corrigir os desvios na economia venezuelana. As dificuldades com câmbio tendem a seguir por algum tempo, porém. “Precisamos olhar para essa situação com muito sangue frio e pensar no médio e longo prazo”, afirma o secretário-executivo.
Os dois candidatos da oposição com melhor desempenho nas pesquisas de opinião para a eleição presidencial de outubro no Brasil parecem pensar diferente, e acenam com um endurecimento no trato com os venezuelanos.
Fonte: Valor Econômico