clóvis rossi
Não é apenas nos QGs de Dilma Rousseff e Aécio Neves que a irrupção de Marina Silva provoca inquietação. A Venezuela emite claros sinais de que está preocupada com a possibilidade de perder o apoio incondicional que Luiz Inácio Lula da Silva lhe proporcionou e que Dilma manteve, com menos ênfase e muito menos visibilidade.
O mais recente exemplo do incômodo vem de artigo para a Telesur, o canal bolivariano por excelência, do cientista político argentino Agustín Lewit, simpatizante confesso do regime venezuelano.
Escreve Lewit: “Além das condições de vida dos quase 200 milhões de brasileiros, a região também joga nestas eleições uma margem importante de suas possibilidades de continuar avançando na integração. A reeleição de
Dilma será sem dúvida um respaldo ao novo ciclo inaugurado com o triunfo de Chávez lá por 1998. Um possível triunfo de Marina Silva, ao contrário, desperta temores de retorno a um passado profundamente custoso para as maiorias populares”.
Retórica bolivariana à parte, o programa de Marina, no item relativo ao Mercosul, é de fato uma guinada em relação à prioridade para a América do Sul que vem desde Itamar Franco e seu então chanceler Celso Amorim, que voltaria ao posto com Lula e redobraria a aposta.
No governo Fernando Henrique Cardoso, seu chanceler, Celso Lafer, chegou a cunhar a frase “o Mercosul é destino, a Alca é opção” (Alca, se alguém ainda se lembra, é a Área de Livre Comércio das Américas, que iria do Alasca à Patagônia, mas encalhou há uns dez anos e está fora da agenda no momento).
Com Marina, caberá ao Brasil “tomar a iniciativa de propor as mudanças de rumo necessárias para que o Mercosul se converta em fator de desenvolvimento e ator dinâmico do comércio internacional”, diz o programa.
É claro que só depois da vitória, se vier, se saberá o que essa frase quer dizer exatamente. Mas está evidente que uma mexida no bloco regional tirará não apenas a Venezuela mas também a Argentina da zona de conforto em que estão com o atual imobilismo.
Mercosul à parte, o programa da candidata critica o que chama de “diplomacias paralelas” supostamente adotadas nos últimos anos.
Aí há um segundo –e talvez mais importante– fator de incômodo para a Venezuela. Em duas ocasiões, o assessor diplomático de Lula, Marco Aurélio Garcia, interferiu, claro que por iniciativa dos chefes, para tirar Chávez e Nicolás Maduro de apuros.
Primeiro, em 2002, antes da posse de Lula, viajou a Caracas, em meio a uma crise institucional mais delicada que a deste ano, e conseguiu criar um grupo de amigos da Venezuela, que estabilizou a situação.
A distensão de 2002 acabou sendo instrumental para a consolidação do chavismo. Agora, foi Maduro quem se beneficiou da mediação da Unasul, também orquestrada pela diplomacia brasileira, para superar manifestações de rua que já não conseguia controlar, a não ser pela violência.
Com Marina, tudo leva a crer que o bolivarianismo não poderá contar com essa poderosa muleta.
Fonte: Folha