leonardo souza
Em julho, o governo amargou um rombo de R$ 2,2 bilhões em suas contas. Trata-se do pior deficit primário (despesas maiores que receitas, sem incluir os gastos com os juros da dívida pública) da série histórica, iniciada em 1997. A principal razão desse número ruim é a queda na arrecadação de tributos, provocada pela estagnação da economia e por desonerações de impostos concedidas para tentar reverter esse quadro. No acumulado até julho, o Tesouro Nacional arrecadou R$ 43,4 bilhões, o que representa R$ 25,6 bilhões a menos do que no mesmo período do ano anterior _redução de 37,2%.
Enquanto o governo inventa mil e um truques para amenizar esse cenário negativo das contas públicas, jaz nos escaninhos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) um crédito superior a R$ 250 bilhões apurados pela Receita Federal. Um papagaio que os contribuintes relutam em pagar. No entendimento do fisco, são tributos devidos, sejam por equívocos ou por fraudes. Evidentemente, nem sempre a razão está com a Receita. Auditores fiscais também erram. Mas para chegar ao Carf, um auto passa por duas instâncias no fisco.
“De fato, na maior parte dos casos, a razão está com a Receita, pelos seguintes motivos: a fiscalização não é aleatória, mas sim seletiva. Ou seja, somente os casos que apresentam fortes indícios de evasão ou elisão tributária é que são fiscalizados. Portanto, dentro de uma lógica de alocação eficiente dos recursos, que são escassos, só se fiscaliza aquilo que efetivamente tem problemas”, diz o diretor de Relações Institucionais do Instituto Justiça Fiscal, Dão Real Pereira dos Santos.
O Carf é a segunda instância de julgamento na esfera administrativa. Ao ser autuado, o contribuinte pode contestar o lançamento nas Delegacias de Julgamento, que são órgãos julgadores dentro da própria Receita. Mantida a autuação, pode apresentar recurso ao Carf. As turmas de julgamento do conselho são formadas por seis representantes, sendo três indicados pela Fazenda Nacional e três pelos contribuintes (advogados tributaristas, de um modo geral). As turmas são presididas por um dos representantes da fazenda, que tem o voto de minerva em caso de empate.
O Carf é um mecanismo para dar ao contribuinte o mais amplo direito de defesa. Seu papel, contudo, é muito criticado pelos auditores da Receita, por duas razões. A primeira, pela demora. Um recurso leva em média cinco anos para ser apreciado pelo Carf. Exceções são feitas quando envolvem grandes somas, normalmente na casa do bilhão de reais. Esses casos recebem prioridade, portanto são julgados mais rapidamente.
A outra crítica se deve à particularidade da lei brasileira. Em muitos países, o contribuinte autuado pelo fisco precisa optar em que esfera vai mover o recurso, se na administrativa ou na judiciária. Se escolher o tribunal administrativo e perder, não tem mais para onde correr. É obrigado a pagar o auto de infração. No Brasil, não. Se uma empresa percorrer toda a burocracia da Receita e do Carf e perder, pode começar tudo de novo na Justiça. E essa luta é desigual para o Estado. Se a Receita fracassar no Carf, não tem o mesmo direito de bater à porta da Justiça.
Uma situação muito comum hoje é, depois de anos e anos de recursos, a União finalmente tem o direito a receber o tributo devido: porém o contribuinte não mais existe ou já se desfez do patrimônio. A empresa que devia fechou as portas.
Reformular o arcabouço legal onde o Carf se encaixa é um bom caminho para o próximo presidente da República aumentar a arrecadação de tributos. Detalhe: o estoque de R$ 250 bilhões em processos fiscais em julgamento é de 2012. De lá para cá, um grande volume de processos foi registrado no Profisc (Sistema de Processos Fiscais) sem os valores lançados. Dessa conta também não constam os juros calculados desde a formalização do lançamento dos autos de infração. Ou seja, esse crédito é muito maior.
Fonte: Folha