As expectativas de preços mais elevados no futuro pesam cada vez mais sobre a inflação atual, em movimento que dificulta a condução da política monetária. Analistas ouvidos pela Reuters enxergam perda de confiança de agentes econômicos no comprometimento do Banco Central em mirar o centro da meta da inflação.
Influenciadas por perspectiva de correção de preços administrados, baixo desemprego e forte indexação da economia, as expectativas devem contribuir com cerca de 0,75% ao IPCA, índice que baliza a meta de inflação, de acordo com o banco Brasil Plural.
Seria o maior impacto em uma década, se comparado com a decomposição do IPCA calculada todo ano pelo próprio BC. O número corresponderia a mais de um décimo da alta de 6,4% prevista pela autoridade monetário para 2014.
Há quem veja impacto menor, mas ainda alto. A LCA Consultores espera contribuição das expectativas entre 0,50% e 0,60% no IPCA no ano.
O peso das expectativas é calculado anualmente pelo BC quando ele decompõe a inflação do ano anterior. A autoridade monetária, porém, não estima o impacto disso no IPCA corrente e poucas consultorias se arriscam a fazer projeções.
Entre 2004 e 2010, a contribuição do componente de expectativas na inflação nunca chegou à metade das estimativas para este ano, até ficando negativa em algumas ocasiões, segundo os números do BC.
A partir de 2011 –início do governo da presidente Dilma Rousseff–, o peso das expectativas sobre a inflação vem numa crescente ano a ano.
“O BC interrompeu a alta de juros e recentemente tomou algumas medidas no sentido de afrouxamento. Pela atitude dele, pela própria política que adota, parece que está confortável com o atual cenário de inflação”, disse a economista Priscilla Burity, do Brasil Plural, referindo-se às medidas de incentivo ao crédito anunciadas no mês passado.
A meta de inflação do governo é de 4,5% ao ano, com tolerância de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Atualmente, os mercados colocam suas fichas na manutenção da taxa básica de juro Selic nos atuais 11% até pelo menos o fim de 2014, mesmo com a inflação ainda rondando o teto de meta e sem perspectiva de arrefecimento mais consistente.
Em todo o governo Dilma, o IPCA tem permanecido no patamar dos 6%. O IPCA-15 divulgado em 19 de setembro, dado mais recente disponível, apontou para inflação acumulada em 12 meses de 6,62%, superando o teto da meta e no maior nível em mais de um ano.
O BC já deixou claro que não pretende mudar tão cedo a atual política monetária. Para muitos especialistas, a postura da autoridade monetária vem para não atrapalhar mais a atividade econômica fraca, que entrou em recessão no primeiro semestre.
ADMINISTRADOS
Os preços administrados como gasolina, eletricidade e passagens de transporte público têm pesado nas expectativas de inflação. As avaliações do BC são de que eles vão fechar este ano em alta de 5%, acelerando a 6% em 2015, o que acaba alimentando as expectativas.
“Os próprios agentes econômicos já fazem com que os preços de bens e serviços se antecipem ao impacto do realinhamento dos administrados no ano que vem, o que pesa sobre a inflação neste ano”, disse o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges.
As condições apertadas do mercado de trabalho também pressionam as expectativas de inflação. Mesmo com a atividade econômica fraca, a taxa de desemprego do Brasil continua nas mínimas históricas.
“Quando se tem desemprego muito baixo, os sindicatos e as categorias profissionais se fortalecem nas negociações salariais”, afirmou o coordenador técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Airton dos Santos.
De acordo com o Dieese, 93,2% das negociações salariais no primeiro semestre resultaram em aumentos acima da inflação. É o segundo maior resultado da série histórica da entidade, que vai até 2008, perdendo apenas para 2012 (95,6%).
O impacto desses fatores é acentuado ainda pelas disseminadas regras de reajuste automático de preços, como aluguéis, que também realimentam as expectativas.
“A inflação passada vira uma bola de neve”, resumiu o ex-diretor do BC e atual colunista da Folha, Alexandre Schwartsman.
Na prática, as empresas calibram os preços de seus produtos no presente para garantir que a alta de preços que afetam seus negócios, como administrados, salários e aluguéis, não corroa a receita futura.
AJUSTE
Economistas consultados são unânimes ao afirmar que a ancoragem das expectativas inflacionárias passaria necessariamente por expressivo ajuste macroeconômico. Da parte do BC, a principal medida seria novo ciclo de aperto monetário, mesmo diante da economia lenta.
“Herdando um sistema que você julga desequilibrado, seu objetivo deve ser o ajuste o mais cedo possível, para poder colher as benesses depois”, afirmou Priscilla, do Brasil Plural.
Idealmente, a alta do juro deveria ser acompanhada por uma contração fiscal. Mas, mesmo se o maior controle das contas públicas não ocorrer, o aumento da confiança na autoridade monetária seria suficiente para reduzir o impacto das expectativas nos preços.
A discussão sobre a credibilidade do BC voltou a ganhar força nas últimas semanas à medida que se aproximam as eleições presidenciais de outubro, após a candidata da oposição Marina Silva (PSB) defender a independência formal do BC, que atualmente possui autonomia operacional.
Procurado, o BC não comentou o assunto.
Fonte: Folha