Superávit quase zero em oito meses – Ribamar Oliveira/ Valor – 09/10/2014No dia 30 de setembro deste ano, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, apresentou aos jornalistas que mensalmente acompanham a divulgação do resultado das contas públicas um slide em que mostrava que o governo central havia atingido um superávit primário de R$ 3,1 bilhões de janeiro a agosto, representando 7,8% da meta fixada para o segundo quadrimestre de 2014.No mesmo dia, o governo enviou ao Congresso um outro documento, contando uma outra história, bem pior do que havia sido divulgado pelo secretário. Preparado pela equipe do Tesouro e assinado por Augustin, o Relatório de Avaliação do Cumprimento da Meta informa que o superávit primário do governo federal acumulado nos primeiros oito meses do ano foi de apenas R$ 356,8 milhões, ou seja, praticamente não houve economia. Dito de forma mais direta: o governo cumpriu apenas 0,91% da meta com a qual se comprometeu para o período, o que significa um desvio de R$ 38,858 bilhões em relação ao programado.A diferença dos números é explicada, em primeiro lugar, pelo fato de o Tesouro não ter incluído nas contas o resultado acumulado das empresas estatais federais. Além disso, o cálculo do Tesouro utilizou critérios diferentes de apuração do resultado primário. Ele pegou o superávit do governo central (que compreende Tesouro, Previdência e Banco Central) de janeiro a julho, fornecido pelo BC, e somou com o resultado do governo central que apurou em agosto. O BC utiliza o critério conhecido na área técnica como “abaixo da linha”, que corresponde à variação dos saldos dos ativos e passivos do setor público junto ao sistema financeiro. O Tesouro utiliza o critério “acima da linha”, que apura o resultado pela diferença entre receitas primárias e despesas primárias. Sempre há uma diferença entre as duas apurações, conhecida como “discrepância estatística”.É necessário esclarecer que, para efeito de cumprimento da meta fiscal, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) estabelece que o que vale é a apuração feita pelo BC. A LDO fixou a meta deste ano do governo central em R$ 116,1 bilhões e em zero para as empresas estatais. A meta pode ser reduzida em até R$ 67 bilhões por conta de investimentos e desonerações tributárias. O governo decidiu fazer um desconto de R$ 35,3 bilhões, ou seja, a sua meta passou para R$ 80,8 bilhões. A LDO determina também que o resultado deve ser considerado no âmbito do governo federal (ou seja, incluindo as estatais).O relatório de avaliação do cumprimento da meta diz que o superávit primário do governo central acumulado até agosto foi de 1,5 bilhão, enquanto o resultado das estatais federais registrou um déficit de R$ 1,2 bilhão. Assim, o governo federal registrou superávit primário de apenas R$ 356,8 milhões, “ficando inferior à meta estabelecida no decreto 8.290/2014”. A meta para o segundo quadrimestre era de R$ 39,2 bilhões.Não foi apenas a frustração das receitas que impediu o cumprimento da meta, segundo o relatório. A arrecadação total do Tesouro ficou R$ 25,5 bilhões abaixo da estimativa. Mas isso não impediu que o governo elevasse os seus gastos, que foram superiores em R$ 10,3 bilhões ao previsto. As despesas obrigatórias ficaram R$ 5 bilhões acima do programado. Os gastos discricionários (com investimentos e custeio da máquina) subiram R$ 4,8 bilhões além do estimado.Contrariando o discurso oficial, o déficit da Previdência ficou R$ 1,3 bilhão acima do projetado (veja a tabela abaixo). As estatais federais, por sua vez, registraram déficit primário de R$ 1,2 bilhão de janeiro a agosto, contra uma previsão de superávit de R$ 215,2 milhões. O relatório não apresenta explicações para o mau desempenho das estatais.Mesmo com um superávit primário de apenas R$ 356,8 milhões no período de janeiro a agosto, o governo diz, no relatório, que ainda é possível alcançar a sua meta de R$ 80,8 bilhões neste ano. Ou seja, ele considera factível fazer um superávit mensal de R$ 20,1 bilhões de setembro a dezembro.A meta será cumprida, reafirma o governo, com a redução de R$ 7 bilhões na estimativa das despesas obrigatórias e uso de R$ 3,5 bilhões dos recursos do Fundo Soberano. Em momento algum, o governo demonstra que essas medidas serão suficientes para cumprir a meta, o que coloca em dúvida a utilidade desses relatórios.
Fonte: Valor Econômico