vinicius torres freire
Como descrever o que fez ontem o governo ao explicar como pretende lidar com o descalabro das suas contas? Dizer que juntou insulto à injúria é britânico demais. Talvez algo assim: jogou lenha na fogueira e passou a tocar harpa enquanto assiste ao incêndio que provocou e realimenta.
Como se sabe, o governo federal não vai poupar o que se propôs em 2014. “Poupança” aqui significa receita maior que despesa, desconsiderados os imensos gastos com os juros da dívida pública (isso se chama “superavit primário). É possível que o governo gaste mais do que vai arrecadar, o pior desempenho desde o século passado. Assim, tem de aprovar no Congresso, correndinho, uma alteração na lei dos seus planos de receita e despesa (Lei de Diretrizes Orçamentárias). A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, foi ao Congresso explicar o que o governo pretende fazer a respeito.
Na prática, a ministra contou que o governo não terá meta alguma de poupança para este ano. Na prática, até aí nenhuma novidade. Todos os habitantes do universo paralelo de quem se ocupa de assuntos econômicos sabem que as contas de 2014 foram para o vinagre. O problema é que a ministra não fez um mínimo ato de contrição, não apresentou planos realistas para o ano que vem e ainda disse alegremente que o Brasil está em situação “confortável”.
Em suma, a ministra deu a entender que não está nem aí para a angústia crescente a respeito do destino da economia em 2015.
E daí? O governo tem deficit e dívidas crescentes. Na presente situação econômica, isso implica inflação e juros altos ou crescentes. Note-se que taxas de juros em alta engordam o Bolsa Rico, os 5,5% do PIB que o governo paga em juros por ano aos seus credores (dá uns 11 Bolsas Família, para ficar no clichê).
A ministra afirmou que em “2014, quase todos os países do G20 terão deficit primário. O Brasil tem o fiscal mais sólido” (mas tem enorme deficit nominal, que leva em conta os juros).
Suponha-se, para simplificar, que a comparação tivesse cabimento. Quanto o governo do Brasil paga de juros para financiar seus deficits, sua dívida crescente? Os maiores do mundo, e crescendo. O governo do Brasil refinancia um quarto de sua dívida todos os anos, outra extravagância mundial. O crédito do governo do Brasil é, pois, ruim, e está piorando. Precisa poupar mais que “quase todos os países do G20”.
Por que o governo não fez nem mesmo a poupança já reduzida a que se propôs? Porque a economia não cresceu o previsto, diz a ministra. Ou seja, vira-se do avesso o princípio básico da administração financeira, a prudência. O governo atira primeiro e pergunta depois se vai haver dinheiro. Deu ontem indícios que pretende agir do mesmo modo em 2015.
Para confirmar o que parece ser alheamento da realidade, o governo, na pessoa da ministra, voltou a estimar que o Brasil crescerá 3% no ano que vem, o que contribuiria para um superavit primário do governo de 2% a 2,5% do PIB, o que nem os adeptos mais estritos da frugalidade e críticos duros do governo acham que seja possível, concedendo que um superavit de 1,5% do PIB será um milagre, e isso se vier aumento de impostos para completar a receita.
Fonte: Folha/UOL