JOSÉ PAULO KUPFER
A batalha em torno dos centésimos de inflação dentro do intervalo da meta ou acima do teto desvia a verdadeira questão do que tem produzido uma alta de preços tão resistente e as formas de combatê-la
O IPCA de outubro variou abaixo do piso das projeções de mercado e deu um alívio no acumulado em 12 meses. A marcha da inflação recuou 0,16 ponto porcentual em relação ao acumulado em 12 meses registrado em setembro. Embora o índice de difusão tenha aumentado, alcançando a média histórica de dois terços de preços em alta, a média dos núcleos apresentou ligeiro recuo.
Há evidências de sobra, contudo, para deixar claro que o ocorrido em outubro não indica tendência. A inflação continua persistentemente alta, pressionada por fatores de fundo, como os desequilíbrios dos preços relativos com o exterior (taxa de câmbio) e os dos preços administrados no cotejo com os livres. Efeitos da perspectiva de continuidade do movimento de desvalorização do real ante o dólar e a correção de preços controlados pelo governo, como o dos combustíveis, com uma primeira alta decretada na quinta-feira, tendem a empurrar os índices de inflação para cima.
O aumento moderado dos combustíveis tem potencial para compensar, pelo lado negativo, a ligeira descompressão trazida pelo IPCA. A trajetória previsível dos preços de alimentos e habitação – nesta, refletindo as altas nas tarifas de energia elétrica –, nos próximos meses, não indica trégua nas pressões inflacionárias. Elas por elas, os riscos de que a inflação, em 2014, feche acima do teto da meta continuam elevados.
Um fator aritmético, de todo modo, ainda opera em favor do governo. As variações do IPCA em novembro de 2013 (0,54%) e, sobretudo, em dezembro (0,92%) são uma barreira à superação do teto da meta no ano. Mas esta é, cada vez mais, uma batalha por centésimos, espécie de disputa em torno de uma margem de erro, que só contribui para desviar a atenção do problema essencial: a inflação resistente em níveis no limite social e político tolerado, a exigir uma ação corretiva além do convencional.
É preciso considerar que as políticas hoje em discussão para combater a inflação podem não trazer a eficácia desejada. Em analogia ao que se passa no mundo desenvolvido, no qual a taxa de juros próxima de zero não tem impulsionado a economia, o crescimento próximo de zero, no Brasil, não tem impedido que a inflação permaneça alta e resistente. Assim como, no mundo desenvolvido, a impossibilidade prática de cortar ainda mais os juros tirou da política monetária a capacidade de impulsionar o nível de atividade, a impossibilidade prática de reduzir ainda mais o crescimento, no Brasil, pode ter estreitado os limites da política fiscal como protagonista no esforço para derrubar a inflação.
Fonte: Estadão