Por Claudia Safatle
Ao ver que o Brasil escorregava para o abismo, o Ministério da Fazenda deu um “cavalo de pau” na política econômica. Virou a política fiscal de ponta cabeça de um déficit em 2014 para o compromisso de superávit primário em 2015 interrompeu a irrigação de recursos para o BNDES, travou as despesas do Tesouro Nacional até poder contingenciar o orçamento, adiou pagamentos e preparou as medidas de elevação de impostos e de redução das desonerações da folha de salário das empresas. O risco do abismo continua presente e representa jogar o país em uma recessão profunda e duradoura, tal como alertou o expresidente do Banco Central Arminio Fraga, em entrevista ao Valor, publicada na edição de ontem. A área econômica do governo, conforme imagem de um alto funcionário, é o carro que deu o cavalo de pau, mas precisa urgente de “tração” para completar a volta. Espera, assim, a aprovação do pacote de medidas de corte de gastos e aumento de receitas que está no Congresso.
Se ele for insuficiente, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, terá que compensar com outros cortes. O que está em jogo é o crescimento dos próximos cinco anos É com esse dramático diagnóstico que os ministros da Fazenda, do Planejamento, Nelson Barbosa, e Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, estão em um trabalho de persuasão e busca de apoio seja no Congresso, junto aos partidos aliados, na Fiesp, junto aos empresários, ou nas conversas com a presidente Dilma. Ciente de que não está fazendo um mero ajuste para 2015 para evitar o rebaixamento do rating soberano, mas definindo se, e como, o país voltará a crescer nos próximos cinco anos ou mais, a área econômica argumenta que a “gordura” disponível nas medidas enviadas ao Congresso é pouca. Portanto, a negociação das propostas terá que ser comedida. “Estamos em uma verdadeira catequese, mostrando que não dá para bobear porque o país está em situação limítrofe”, insistiu uma fonte. Foi tardia a percepção do governo de que o “boom” das commodities havia acabado. E com ele foise embora a bilionária mesada que permitiu a Lula, até 2010, distribuir a renda e expandir a economia.
Dilma não teve a mesma sorte, mas manteve por um longo tempo a ilusão de que o Brasil tudo podia. É disso que ela fala quando diz, nos pronunciamentos recentes, que o mundo mudou. Foi sobre isso que Aloizio Mercadante, da Casa Civil, fez menção ontem ao reconhecer que “fomos longe demais no ano passado” nas desonerações e perda de receitas. Os preços das commodities agrícolas, minerais e petróleo, despencaram. As relações de troca do Brasil com o mundo pioraram e a pequena gordura acumulada foi queimada na expansão do gasto público. As autoridades responsáveis por colocar a economia nos eixos não economizam metáforas e, não raro, recorrem a exemplos bíblicos. Como Adão que, expulso do paraíso, foi condenado por Deus a ganhar o pão com o suor do seu corpo, resta ao brasileiro “trabalhar”, disse uma delas.
Trabalhar significa aproveitar o momento de crise para dar uma nova configuração à casa, impor disciplina e sustentabilidade ao gasto público, cuidar da produtividade da economia e promover o reencontro com o bom senso. Na vida real, isso tomaria forma mediante avanço em medidas como as que pretendem corrigir distorções na concessão de abono salarial, pensão por morte e segurodesemprego; limitar em lei o aumento do gasto público ao crescimento nominal do Produto Interno Bruto (PIB); fazer os investimentos em infraestrutura com base em financiamentos e preços de mercado; ou, ainda, evitar ideias ruins como a que transformou em lei a desoneração da folha. Esses são alguns poucos exemplos do que deve reger as políticas públicas.
Os ministros da área econômica sabem que o ajuste proposto não é um fim, mas lembram: “Não há país fiscalmente não resolvido que tenha alcançado o crescimento e o desenvolvimento”. Fazer a despesa caber na receita e sobrar recursos para abater a dívida bruta, que é de quase 70% do PIB, é premissa básica para a redução do custo do dinheiro. Juros reais de 6,5% ao ano e falta de confiança são incompatíveis com a retomada dos investimentos, assim como representa uma trava ao investimento o embolado sistema tributário que penaliza quem trabalha e produz. Há um universo de ações a espera de decisões que estão emperradas por um conflito político entre o governo e a base aliada. Um embate alimentado pelas investigações da Operação LavaJato, que colocou os presidentes da Câmara e do Senado sob suspeita de envolvimento na corrupção da Petrobras. A reforma do PIS/Cofins e do ICMS é parte dessa agenda.
Aguarda-se, também, o formato das novas concessões, sem financiamento barato do BNDES e sem modicidade tarifária e mais próximas dos custos de mercado. Além de o governo ter que resolver como ficam as concessões já licitadas, diante da crise das empreiteiras, no âmbito da Operação LavaJato. Não se sabe sequer como ficam as companhias ligadas aos grupos envolvidos em suspeita de corrupção na Petrobras. A paralisia decisória, seja por problemas políticos que levam o Congresso a não aprovar as medidas fiscais ou pelas investigações, atrasa a eventual possibilidade de reação pelo lado da oferta. Na área econômica do governo há a expectativa de que, resolvidos todos os problemas listados acima, os investimentos vão voltar e a economia brasileira retomará o curso do crescimento. Isso levaria ainda uns seis meses para começar a acontecer, se tudo der certo. Uma parte do negócio já foi encaminhado. O Brasil, que estava caro demais, com a desvalorização da taxa de câmbio passou a ser competitivo, atrativo ao investidor estrangeiro. O tempo corre contra a recuperação da economia. Ao Congresso cabe decidir com base na realidade dos fatos. Os tempos de ilusão terminaram.
Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras Email: claudia.safatle@valor.com.br
Fonte: Valor