Por João Agripino Maia e Emmanuel Biar
Além da alta carga tributária, que alcançou 35,95% do PIB em 2014, o contribuinte brasileiro se vê cercado de muita insegurança jurídica, situação causada em boa parte pela complexidade do nosso sistema tributário, com dezenas de tributos, milhares de leis e regulamentos, além de multas pesadíssimas para os casos de descumprimento da legislação. Segundo estatísticas da ProcuradoriaGeral da Fazenda Nacional (PGFN), somente o valor dos débitos de tributos federais soma aproximadamente R$ 1,3 trilhão. Não há dados precisos sobre os valores que os contribuintes discutem ativamente em juízo, mas é razoável supor que o número também seja bastante expressivo. Em resumo: temos um sistema de solução de divergências que é ineficiente para ambas as partes, fisco e contribuintes. No geral, o novo código se aproxima da justiça fiscal, ao prestigiar valores como a celeridade e a segurança jurídica Nesse contexto, a promulgação do novo Código de Processo Civil (CPC) é notícia bastante alvissareira.
A mudança na legislação era ingrediente necessário para transformar o Judiciário brasileiro e tornar a solução de conflitos mais rápida e eficaz com relação aos débitos fiscais (não que concordemos 100% que esse tenha sido o resultado). O novo Código entrará em vigor em 1 ano, prazo razoável para que todos operadores do direito assimilem suas inovações e as demais mudanças no ordenamento. Suas regras vão ser aplicadas aos novos processos e também aos processos em curso, independentemente da fase em que se encontrarem. Neste espaço, nossa proposta é tecer breves considerações sobre o impacto de algumas alterações com relação ao contencioso judicial tributário, que compreende as ações em que o contribuinte e o Fisco discutem uma relação jurídicotributária, o que pode acontecer quando o contribuinte busca afastar a cobrança de algum tributo ou recuperar valores recolhidos indevidamente, ou quando o Fisco busca a cobrança forçada de valores não recolhidos pelo contribuinte.
De acordo com o novo código, a Execução Fiscal deverá ser proposta no domicílio do devedor, o que, sem dúvidas, permite um maior controle do contribuinte sobre as cobranças existentes em seu nome. Também foi criado um procedimento específico para as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica do devedor. Para que sócios, diretores, gerentes etc. sejam responsabilizados no lugar da pessoa jurídica, além das regras gerais do Código Tributário Nacional, novas regras deverão ser observadas. Foi criado um incidente especial para demandas repetitivas, que permite aos tribunais (estaduais e Federais) consolidarem uma posição, a qual deverá ser observada por todo o Judiciário dentro daquela competência. Além disso, os juízes de primeira instância (e dos Tribunais) também ficarão vinculados às decisões proferidas pelo STJ e pelo STF em recursos repetitivos e/ou com repercussão geral, bem como às súmulas editadas por esses Tribunais. Sem dúvidas, isso permitirá decisões mais equânimes e rápidas. O contribuinte poderá se defender nas ações de execução fiscal independentemente de apresentar garantia e/ou embargos à execução (a chamada “exceção de préexecutividade).
Além da previsão expressa, inovação do novo código, as hipóteses de cabimento do requerimento por parte do contribuinte são bastante amplas. Uma outra relevantíssima inovação foi a criação do instituto da tutela da evidência, que vem a ser a possibilidade de obtenção de decisão liminar (na terminologia do novo código: uma decisão antecipatória) independente da parte comprovar urgência ou risco de lesão imediata. Ou seja, quando o direito da parte for sólido, será possível obter uma decisão imediata independente de haver risco de prejuízo iminente. Outro ponto a ser comemorado tem relação com o fim do duplo grau de jurisdição (reexame obrigatório) quando a sentença favorável ao contribuinte observar súmula de tribunal superior e/ou decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso repetitivo. Isso permitirá que muitas causas sejam resolvidas em instância única, em processos com duração de um ano ou menos. Algo impensável na vigência do código atual… A maior celeridade no cumprimento das decisões judiciais também foi prestigiada com a possibilidade do próprio advogado intimar pessoalmente o procurador da Fazenda ou o delegado da Receita Federal do seu conteúdo. Mas nem tudo são flores! O novo código trouxe algumas mudanças prejudiciais aos contribuintes, à efetividade da justiça e à celeridade do processo.
A prescrição só pode ser decretada pelo juiz depois de as partes serem ouvidas. No regime atual, a prescrição pode ser decretada de ofício, independentemente de qualquer manifestação das partes. Os embargos à execução apresentados pelo contribuinte continuam, em regra, sem efeito suspensivo. Noutras palavras, se o juiz não atribuir efeito suspensivo aos embargos da empresa, a Fazenda poderá continuar a cobrança do tributo, com a realização de praça ou execução de garantia. O novo código poderia ter disposto que, uma vez garantida a execução, os embargos da empresa suspenderiam qualquer possibilidade de execução da garantia apresentada. Mas não o fez. O novo código continua a favorecer a advocacia pública prevendo, em seu favor, prazo em dobro para qualquer manifestação nos autos do processo, e não apenas para a interposição de recursos, como previa o código anterior. Em conclusão, o novo código é bemvindo e representa um avanço na modernização do processo civil. No que respeita ao contencioso tributário judicial, em que pese ter deixado de conferir automaticamente efeitos suspensivos aos embargos do devedor, no geral, o novo código se aproxima da justiça fiscal, ao prestigiar valores como a celeridade e a segurança jurídica.
Fonte: Valor Econômico