Por Denise Neumann
Pela primeira vez em dez anos, o déficit comercial da indústria de transformação mostra um recuo. No primeiro quadrimestre deste ano, o saldo entre importações e exportações industriais foi negativo em US$ 18,9 bilhões, valor 22% menor que o registrado em igual período de 2014, segundo levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Na avaliação de economistas e empresários, a principal razão para essa queda é a retração da atividade doméstica, que reduziu a demanda por importações. A dúvida é se as mudanças macroeconômicas em curso (o câmbio, principalmente) serão suficientes para desencadear um movimento de substituição de importações quando o país voltar a crescer.
Entre janeiro e abril deste ano, a indústria importou 14,3 % menos que em igual período do ano passado, em valores. Na mesma comparação, as exportações também caíram, mas menos (9,4%), o que abriu espaço para a retração do déficit comercial do setor, o primeiro movimento de recuo desde 2005, quando o setor teve superávit de US$ 9,4 bilhões. “A recessão está muito forte e é ela que explica essa queda nas importações”, avalia Júlio Sérgio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica. Para ele, não há sinais de substituição de importação por trás do recuo das compras de bens industriais no exterior. Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Eletroeletrônica (Abinee), diz que o recuo nas importações é reflexo da queda na demanda.
Dentro do setor, ele faz uma distinção: no segmento eletrônico, as importações são de componentes que o país não produz e elas voltarão a crescer com a recuperação da atividade. No segmento elétrico, as importações cresceram nos últimos anos porque a produção doméstica perdeu espaço porque foi encarecida pelo câmbio fora do lugar. “Nesse segmento, a queda conjuntural pode dar lugar a uma substituição de importações”, diz ele. No levantamento do Iedi, o déficit comercial do setor químico passou de US$ 7,4 bilhões nos primeiros quatro meses do ano passado para US$ 6,9 bilhões em igual período de 2015. Os dados da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), são um pouco diferentes, mas mostram a mesma tendência. Denise Naranjo, diretora de Assuntos de Comércio Exterior da entidade, diz que essa redução vem de uma queda das importações provocada pela retração do mercado doméstico.
Olhando para os dados em volume no primeiro trimestre, ela conta que em toneladas houve queda de 4,2% nas importações do setor sem aumento de produção doméstica correspondente. “É um cenário muito preocupante de queda de atividade mesmo”, resume ela. No segmento de máquinas, também há queda das importações, mas o presidente da associação do setor, Carlos Pastoriza, diz que “por enquanto não há recuperação de market share”. “A queda reflete, infelizmente, a retração na atividade econômica e no investimento”, acrescenta. Segundo Pastoriza, a competitividade já melhorou com o “novo” câmbio e pode ajudar a recuperar mercados, mas a desvalorização ainda é considerada “insuficiente” pelo setor.
Entre o primeiro quadrimestre de 2014 e 2015, o déficit comercial do conjunto da indústria de transformação caiu US$ 4,5 bilhões, dos quais US$ 1 bilhão corresponde ao segmento de combustíveis. Gomes de Almeida observa que além do recuo das importações há uma queda generalizada nas exportações. Com raras exceções como os aviões da Embraer e os segmentos de celulose e produtos metálicos , a indústria brasileira vendeu menos no exterior. Para ele, essa queda está relacionada ao comportamento fraco das economias latinas. Por região, os dados da Secretaria de Comércio exterior (Secex) mostram uma pequena recuperação do embarque de produtos manufaturados para os Estados Unidos nesse começo de 2015, com alta de 5% na comparação com o primeiro quadrimestre do ano passado.
Em semimanufaturados, ainda há queda. A possibilidade dessa queda conjuntural na importação se transformar em algo mais permanente e reduzir o nível de importações da indústria mesmo quando a atividade econômica doméstica se recuperar é considerada remota por Gomes de Almeida, Barbato, Pastoriza e Denise Naranjo. Eles consideram que as condições para um real movimento de substituição de importações ainda são frágeis. Um movimento consistente de recuperação do mercado local pela indústria local (em detrimento do bem importado) precisa de câmbio efetivamente depreciado, de alterações tributárias próexportação e de melhorias na infraestrutura, entre outras mudanças, diz Gomes de Almeida. Abinee e Abimaq dizem que existem sinais de substituição de importações em nichos do mercado, mas a atividade fraca impede movimento maior. A magnitude dessa troca, contudo, vai depender do câmbio, dizem os executivos.
Fonte: Valor