Desmistificando a negociação dos acordos de comércio (Opinião – Regis Arslanian)


O Brasil é tido como um mercado ambicionado, mas pouco atraente para acordos.

O governo brasileiro vem insistindo na necessidade de estabelecer acordos comerciais, não apenas com a União Européia, mas também com os EUA, o México, além de outros mercados vitais para nossas exportações. A iniciativa do governo é das mais auspiciosas. Precisamos urgentemente negociar acordos com grandes mercados, de forma a desafogar a indústria nacional e criar oportunidades para reduzir a defasagem de nossa competitividade na economia mundial. É chegada, porém, a hora de encararmos nossos interesses – e nossas possibilidades – nas negociações comerciais, de forma realista e pragmática. Em meio aos quase400acordos comerciais já estabelecidos no mundo, somos hoje taxados como um mercado ambicionado, mas pouco atraente para estabelecer acordos de livre comércio. É preciso saber o que queremos de nossos parceiros, mas é também necessário avaliar seus interesses. É chegada a hora de mirarmos para nós mesmos no Brasil em vez de buscar subterfúgios para o imobilismo em que nos encontramos. Precisamos desmistificar os culpados externos e dar às negociações comerciais a dimensão real que podem desempenharem benefício de nossos interesses. Em primeiro lugar, devemos reconhecer que nossos principais parceiros só terão hoje interesse em negociar conosco acordos abrangentes e ambiciosos, que não só incluam liberalização tarifária, mas também normas e modelos regulatórios. Será necessário mostrar disposição negociadora para, à luz de nossos objetivos nacionais, rever, e por que não, aperfeiçoar e modernizar nosso arcabouço jurídico em matéria de serviços, investimentos, compras governamentais, propriedade intelectual etc. Precisamos saber usar, estrategicamente, os acordos de comércio com os principais “players” da economia mundial para buscar com eles uma convergência de normas e de padrões regulatórios que nos abram oportunidades para construir parcerias produtivas que integrem o Brasil aos mercados de produção de vanguarda.

A relação custo-benefício que orienta hoje as negociações para os grandes acordos de comércio contempla necessariamente demandas e ofertas em regras. Nada mais natural, se o objetivo é buscar sinergias para estabelecer negócios, em um ambiente regulatório propício e previsível. Isso significa que as concessões que esperamos obter de nossos parceiros mais importantes somente serão oferecidas a nós na medida em que estejamos preparados a mostrar flexibilidade em normas. Em segundo lugar, tampouco devemos seguir condicionando “a priori” toda negociação comercial a um tratamento central para agricultura. A verdade é que, com a persistente crise financeira europeia e a tênue retomada do crescimento econômico americano, não podemos pretender pautar os acordos comerciais unicamente a partir de concessões agrícolas. Aliás, foi muito por essa razão que não conseguimos estabelecer um acordo com a União Europeia. Depois de quinze anos de tratativas, a UE tem usado de todos os pretextos para se furtar a definir datas para uma troca de ofertas com o Mercosul. Não se trata de suprimir dos processos negociadores a liberalização comercial dos produtos agrícolas. Trata-se de adotar uma atitude construtiva, que contemple a possibilidade, sim, de obter concessões agrícolas, mas como resultado – e não como condição uma barganha justa e equilibrada no quadro negociador.

Hoje, considerando o quadro global de competitividade das exportações, ninguém questiona que o desempenho de nossos produtos agrícolas é muito superior e mais promissor do que o dos manufaturados.

Frente à deterioração de nosso comércio exterior, não é razoável continuar menosprezando a possibilidade de negociar acordos comerciais, perpetuando uma postura principista de que uma negociação comercial só será válida se estiver sustentada sobre a liberalização agrícola. Em terceiro lugar, devemos desmistificar de vez as chamadas “amarras” do Mercosul, como se fossem elas as responsáveis pela nossa incapacidade em negociar acordos de comércio. O Mercosul será sempre a vontade de seus sócios. Como união aduaneira, a estrutura normativa do Mercosul não impede que possamos estabelecer acordos abrangentes de comércio. Se temos de superar ‘ dentro do bloco resistências protecionistas, certamente não é o’ caso de fugir delas para não ter de enfrentá-las. Graças à Firmeza do Brasil, a oferta de bens do Mercosul para a União Europeia foi, no ano passado, efetuada praticamente à revelia da Argentina. Mas foi feita. A dimensão e o peso do Brasil não dão lugar a que tenhamos que nivelar por baixo nossos interesses no Mercosul. E nossos vizinhos, queiramos ou não, têm uma importância estratégica para o Brasil. A negociação conjunta do bloco deve ser mantida. Mas há espaço para uma negociação que atenda os interesses e as sensibilidades de cada um dos sócios. No caso de normas, por exemplo, nossas ofertas sempre terão que ser diferenciadas, mesmo porque sequer temos,dentro do Mercosul, modelos regulatórios uniformes. Com relação a tarifas, o Mercosul já tem acordos de comércio estruturados em listas de produtos submetidos a calendários desiguais de desgravação tarifária. Tais flexibilidades são, é bem verdade, imperfeições, que seriam adicionais às muitas já existentes no Mercosul. Mas, em meio; à situação crítica de nossa indústria e de nossa competitividade no mundo, é, sem dúvida, melhor acomodar um Mercosul imperfeito do que se engajar em um, desgastante e longo processo político e jurídico com nossos vizinhos para desconstruir o Bloco. Por fim, e no caso da União Europeia, que é afinal nossa perspectiva negociadora mais palpável, cabe recordar que o mandato negociador que a Comissão Europeia tardou anos para obter de” seus membros refere-se a uma” negociação exclusivamente com o Mercosul e não para uma negociação bilateral. A economia produtiva mundial alcançou uma dinâmica que requer de nós uma postura mais arrojada e ambiciosa. Ainda estamos em tempo de almejar patamares de vanguarda para nossa economia, em termos de desenvolvimento industrial e tecnológico. Os acordos de comércio, modernos são instrumentais para isso. Bastaria encará-los de frente, sem receios e pruridos.” Aqui está, hoje, nossa encruzilhada negociadora.

Regis Arslanian, embaixador, foi chefe negociador do Brasil e é sócio da GO Associados.

Fonte : Valor Econômico – 16/06/2015


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