Demanda fraca ainda não ‘ajuda’ inflação



Por Flavia Lima

Os sinais de enfraquecimento da demanda são cada vez mais evidentes, mas isso não se reflete nos preços. Ontem, dados do varejo restrito desapontaram e a expectativa para o indicador de atividade do Banco Central (o IBC­Br) de abril ­ a ser divulgado na sexta ­ é de queda, mesmo após recuar 1,1% em março. Os preços, porém, seguem impávidos e a projeção é que ainda haja uma piora antes que os primeiros sinais de desaquecimento da inflação apareçam.

A avaliação é que pelo menos três fatores vêm impedindo que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) recue no período de 12 meses, desde dezembro do ano passado: os custos mais altos dos preços administrados (energia elétrica, água e combustíveis); os impactos da desvalorização cambial sobre os preços; e os choques climáticos com efeitos especialmente sobre os preços dos alimentos. Mesmo em meio à demanda mais fraca, a alta de cerca de 50% esperada para a energia elétrica em 2015 é repassada na forma de custos para outros preços da economia. Como é possível que isso aconteça? “No primeiro momento, subiu gás, subiu luz e até mesmo salários e um restaurante vai tentar repassar, não tem jeito”, diz Elson Teles, economista do Itaú Unibanco. “Mas daqui para frente, a demanda de cada setor vai ser um árbitro importante dos repasses”.

Ontem, o Índice Geral de Preços ­ 10 (IGP­10) subiu de 0,52% em maio para 0,57% em junho, levado justamente pela mão de obra mais cara no setor da construção civil, além da inflação mais pressionada no varejo. O câmbio é outro elemento importante na equação. Embora exista a percepção de que o cenário recessivo limite o potencial de repasse da alta do dólar para a inflação, esse efeito não pode ser desprezado. “A forte depreciação cambial desde o fim de 2014 [de cerca de R$ 2,50 para algo acima de R$ 3], ainda que parcialmente mitigada pela queda dos preços internacionais dos produtos que o Brasil importa, é um dos fatores a explicar essa aparente insensibilidade da inflação à desaceleração da demanda”, diz Bráulio Borges, economista­chefe da LCA Consultores.

Alguma surpresa também veio de alimentação, especialmente dos produtos ‘in natura’, como cebola e tomate, afetados pela escassez de água nos meses mais recentes. Embora seja transitório e represente tipicamente uma restrição de oferta, o choque climático também impede alívio aos preços. Nessa conta, o economista da LCA inclui ainda a elevação da carga tributária de alguns itens que fazem parte dos preços livres (não arbitrados) do IPCA, como automóveis novos, perfumaria e cosméticos e bebidas. Teles, do Itaú, ressalta que a demanda fraca não é totalmente invisível e pode ser sentida na trajetória de alguns setores como o de vestuário, que, em alta entre 3% e 3,5% em 12 meses, perde de longe da inflação média do período; ou em equipamentos de TV, som e informática, cuja queda chega a 7% em 12 meses. “Esse é um setor que cai por conta de substituição de produtos, mas não tanto.

Com certeza é a demanda batendo ali.” Ainda assim, diz o economista do Itaú, as coisas ainda devem piorar antes de melhorar. ” Entre julho e agosto, o IPCA deve passar de 9% em 12 meses”. Até o fim do ano, Teles vê alguma desaceleração do indicador, mas pequena. Amanhã, o banco solta revisão do IPCA de 2015, que deve ficar acima dos 8,5% atualmente esperados, embora ainda deva encerrar o ano abaixo de 9%. Jankiel Santos, economista­chefe do Besi Brasil, avalia que é preciso levar em conta a existência de defasagem entre o momento da desaceleração da atividade e a queda na inflação. “Tanto é verdade que, em junho de 2013, a inflação interanual dos preços livres era de 8,3% e baixou para 6,8% em maio deste ano. Ou seja, a perda de dinamismo econômico tem provocado alguma desinflação”, diz ele. Santos lembra que o mercado de trabalho só começou a apresentar piora mais significativa nos últimos meses. A massa salarial, diz, “embicou” para baixo em 12 meses apenas neste ano, o que limitou o efeito deflacionário. Fora a inércia. “Deve acontecer uma desaceleração na inflação dos preços livres à frente, ainda que a velocidade possa ser inferior à que o BC gostaria de ver.” (Colaboraram Tainara Machado, de São Paulo, e Alessandra Saraiva, do Rio)

Fonte: Valor

Comments

Open chat
Como posso te ajudar?