Por Sergio Adeodato
De um lado, estava o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para quem “o Brasil tem posição privilegiada na questão climática e precisa melhorar indicadores para tirar proveito, gerar valor à economia e não ficar para trás”. No outro lado do palco, à sua frente durante o debate que marcou o lançamento da “Carta Aberta ao Brasil sobre Mudança do Clima”, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, reforçou: o processo “tem exigido fazer contas” e por isso as conversas com a equipe econômica têm sido frequentes nos preparativos para a conferência de Paris sobre clima, em dezembro. Em tempo de fragilidade nas finanças, esse diálogo se soma a uma visão de longo prazo para gerar a estratégia brasileira de mitigação dos gases do efeito estufa a ser submetida nas próximas semanas à Presidência da República.
Em linhas gerais, o governo mais uma vez fincará pé nos estoques florestais e na matriz energética limpa. A ministra está otimista: “Ao contrário dos anteriores, o evento fará diferença, independentemente de qualquer acordo, e nossos compromissos para o período pós2020 devem ser preparados com transparência e contabilidade.” Pela primeira vez, os chefes das pastas econômica e ambiental protagonizaram, juntos, um encontro público sobre mudança do clima indicativo de que a transição para a economia de baixo carbono, seguindo a tendência global, deixa de ser uma preocupação periférica e é incorporada por setores antes resistentes. “A mitigação dos efeitos climáticos é cada vez mais relevante para o desenvolvimento”, reconheceu Levy, após ouvir no debate referências a temas econômicos de vanguarda puxados pela agenda do aquecimento global, como precificação de carbono e retirada de investimentos em combustíveis fósseis.
Na plateia, atentas a sinais dos ministros que pudessem indicar a necessidade de cautela ou a oportunidade de novos caminhos, lideranças empresariais tiveram a percepção sobre como os compromissos e propostas do setor produtivo, lançados naquele dia, seriam recebidos pelo governo federal para o país avançar e assumir a liderança na economia de baixo carbono. “A representatividade do auditório mostra a maturidade da economia brasileira”, disse Levy, sem se esquivar dos questionamentos quanto à chamada Agenda Brasil.
O plano, apresentado pelo PMDB como solução da crise política de modo a colocar o país no eixo do crescimento, prevê mudanças na demarcação de terras indígenas e flexibilização do licenciamento ambiental, na contramão da economia verde. “Devolvemos a proposta com sugestões de ajustes, prevendo a conservação de florestas nativas e plantadas como oportunidade de mitigação de carbono”, revelou o ministro, informando que a situação será resolvida na base do diálogo. “O desenvolvimento sustentável abrange todos e exige a busca de soluções sem ferir ninguém”, afirmou. “Precisamos ser realistas e dar valor ao que temos de melhor”, ressaltou Levy, em apoio à estratégia de concentrar os esforços na floresta, a ser usada como barganha nas negociações climáticas globais, além da substituição de fontes fósseis. Ele considerou os leilões de energia eólica e solar promovidos pelo governo como “coisas poderosas” para o aumento da matriz limpa e reduzir carbono.
Mas avisou: fazer mais pelas fontes renováveis “dependerá de nossa capacidade de dar subsídios, que hoje não é muito grande”. Em paralelo, para compensar incentivos nas energias renováveis, o ministro deu a entender que o plano poderá ser taxar combustíveis fósseis. “A nossa sinalização já foi evidente quanto aumentamos a tributação sobre gasolina e diesel”, afirmou Levy. No entanto, até hoje nenhuma obra de desenvolvimento incorporou a lógica do baixo carbono no Brasil, o que, para lideranças presentes ao encontro, ilustra o abismo entre as intenções e a realidade. O desafio de aproveitar vantagens comparativas, devido às condições naturais e aos processos competitivos das empresas do país, exige uma “reengenharia econômica”, com o exercício de medir custos e benefícios, típico da mitigação de carbono.
Ao seu lado, a ministra do Meio Ambiente foi além: “Hoje a questão climática é o que define a geopolítica do desenvolvimento”. O cenário requer alianças, o que indica, segundo Izabella, que em Paris “não haverá decisões isoladas de um único país” e a perspectiva é de resultados positivos porque “pela primeira vez os negociadores não são alheios à questão do clima; estão diretamente envolvidos com o tema”. O Brasil, em sua análise, poderá ser “um grande facilitador, principalmente devido à imagem cultivada lá fora pelo engajamento do setor produtivo”.
Fonte: Valor