Por Ligia Guimarães
O orçamento público reflete as prioridades de um governo e, nessa análise, as desonerações tributárias adotadas a partir de 2009 pelo governo Dilma Rousseff prejudicaram o financiamento de políticas sociais, aponta estudo divulgado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
De acordo com a pesquisa, os incentivos fiscais do primeiro mandato da presidente tiraram R$ 60 bilhões a mais das contribuições sociais da seguridade social do que em 2010. A renúncia fiscal no governo Dilma aumentou de 3,68% em 2011 para 4,76% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014, segundo o estudo. A pesquisa “Renúncias tributárias os impactos no financiamento das políticas sociais no Brasil” destaca que o governo desonerou justamente os tributos que compõem a fonte de financiamento para políticas de seguridade social, principalmente em previdência, saúde e assistência social.
Além disso, a renúncia tributária ajudou a esvaziar os fundos de participação dos Estados e municípios, formados a partir da arrecadação de Imposto de Renda (IR) e de (Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e cujos recursos financiam gastos obrigatórios em saúde e educação. “Não existe política social sem a garantia das fontes de financiamento”, diz o autor Evilásio Salvador, economista da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutor em Política Social pela Universidade de Brasília (UnB).
O estudo foi feito com base nos dados do Demonstrativo dos Gastos Tributários publicados pela Receita Federal no período de 2011 e 2014. “Me parece incoerente que o governo divulgue rombos na Previdência e, por outro lado, conceda generosos benefícios fiscais sem nada em troca”, diz. O estudo analisa apenas o financiamento indireto das políticas públicas, que se dá por meio de renúncia fiscal, e destaca entre as principais perdas o expressivo aumento das desonerações incidentes na contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento.
Essa análise, segundo a pesquisa, permite identificar a transferência indireta e extra orçamentária de recursos para o setor privado da economia. Embora as justificativas para as desonerações tenham cunho econômico, o pesquisador defende que é importante que o orçamento público assegure os recursos da seguridade social. “São recursos carimbados no orçamento público, de destinação exclusiva para o financiamento das políticas de seguridade social previdência, assistência social e saúde e do seguro-desemprego”, afirma Salvador, que critica a política de desonerações por se tratar de um caminho sem volta, em sua opinião. “Ao menos deveria ter se exigido contrapartidas”, defende Salvador, argumentando que há exigências para os beneficiários das políticas sociais. “Se faz isso com os beneficiários de políticas sociais, não faz?
Quem recebe o Bolsa Família, por exemplo, precisa pesar, vacinar, ter presença escolar”, diz. O texto destaca as perdas que as desonerações representaram, sobretudo, para o orçamento dos Estados e municípios, que recebem parte da arrecadação dos impostos federais. “Assim, a depender das políticas adotadas nas esferas da União e dos Estados, os municípios podem ser fortemente atingidos na sua condição fiscal”, diz o texto.
A lei determina que 40% das receitas municipais sejam destinadas a saúde (15%) e educação (25%). A estimativa da pesquisa é que tenha aumentado 17,04% acima da inflação entre 2011 e 2014 a perda potencial de receitas do Fundo Municipal Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Equivale a dizer que, caso o governo não houvesse feito desoneração alguma em IR e IPI em 2014, o FPE teria um acréscimo de R$ 24,05 bilhões e o FPM, de R$ 26,29 bilhões.
“Aí a União se apropria cada vez de maior parcela do fundo de arrecadação. Na realidade você está simplesmente impondo regras e metas a serem cumpridas sem dar condições fiscais para que essas metas sejam cumpridas”, afirma Salvador, que diz que é cada vez maior a responsabilidade dos gestores municipais e estaduais na execução das políticas públicas, como o Plano Nacional de Educação. O levantamento aponta ainda que as renúncias que afetam o financiamento da saúde aumentaram de R$ 20,6 bilhões, em 2010, para R$ 24,9 bilhões, em 2014, e representam 9,5% da renúncia fiscal de 2014.
Na função assistência social, que concentra as entidades filantrópicas e organizações sem fins lucrativos, a renúncia cresceu 20% acima da inflação no mesmo período. Outra crítica presente no estudo é o espaço importante que o serviço da dívida pública ocupa no orçamento federal. Entre 2011 e 2014 foram destinados R$ 1,5 trilhão ao pagamento de juros e amortização da dívida, o que equivale a 24,13% do total de recursos do orçamento público federal. Além disso, enquanto as despesas com amortização da dívida cresceram 60,15% acima da inflação no período, os gastos com pessoal cresceram apenas 7,36%.
Já as outras despesas correntes que incluem o pagamento de serviços e benefícios no âmbito das políticas sociais, o pagamento previdenciário e a transferência de recursos para Estados e municípios, entre outros cresceram 15,8%. “A política de ajuste fiscal destinou parte considerável da arrecadação financeira à esfera financeira, em especial ao pagamento de juros e à amortização da dívida”, diz o pesquisador. Para Salvador, tal retrato expõe a “falsa dicotomia” entre custeio e investimento, que domina o debate sobre onde o governo poderia cortar gastos. “Ambas [as despesas] são fundamentais e necessárias para o desenvolvimento econômico e social do país.
A conta a ser enfrentada é a de juros”, afirma o pesquisador. “O país vai continuar atendendo de forma prioritária ao mercado financeiro e seus rentistas ou vai priorizar a construção de um sistema de proteção social, com expansão de investimentos?”, questiona o estudo. O pesquisador critica também o foco do ajuste fiscal empreendido pela atual equipe econômica. “De um lado, o governo corta gastos e de outro lado, o Banco Central sobe o juros, o que implica em mais despesas financeiras. Ou seja, estamos “enxugando gelo”, afirma Salvador, que sugere que a política de ajuste deveria considerar uma meta de reduzir a despesas com juros para o patamar de 2% do PIB. “Outra questão é tratar da questão tributária em direção a reforma do sistema, buscando cobrar impostos sobre renda e patrimônio, reduzindo a carga sobre produção e consumo”. O estudo destaca, por outro lado, que os gastos com educação atualmente estão abaixo do necessário para se alcançar uma educação de qualidade e cumprir as metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação.
Fonte: Valor