Estoques altos podem retardar o contágio do câmbio no IPCA

 

Por Tainara Machado

O elevado nível de estoques no setor industrial pode contribuir para minimizar e atrasar o repasse da desvalorização do real para os preços domésticos, apesar da significativa apreciação do dólar observada neste ano. Cotações mais baixas de commodities, mercado de trabalho enfraquecido e maior ancoragem das expectativas de inflação também tendem a reduzir o efeito do câmbio sobre o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), avaliam economistas.

Por meio da análise da evolução dos estoques em alguns setores industriais e a resposta da inflação no atacado e no varejo, o Bradesco concluiu que a dinâmica da inflação no primeiro semestre sugere menor repasse entre os segmentos que relataram maior volume de mercadorias paradas. Myriã Bast, economista do Bradesco responsável pelo estudo, comenta que, como boa parte dos setores continua a registrar aumento de inventários, o repasse cambial pode ficar abaixo do sugerido pelos modelos usados pelo banco, que apontam “pass­through” de 5%.

No cenário atual, esse repasse deve ficar mais próximo de 4%. Ou seja, cada 10% de desvalorização do real eleva o IPCA em 0,4 ponto percentual nos 12 meses seguintes. Myriã explica que o estudo tomou como base a variação da inflação nos setores com maior desvio dos estoques em relação à média histórica. O indicador de mercadorias paradas usado na análise foi o componente do Índice de Confiança da Indústria (ICI) da Fundação Getulio Vargas (FGV), que calcula o nível de inventários a partir da percepção dos empresários.

No setor de material de transportes, por exemplo, o desvio era de 26,7 pontos em janeiro e subiu para 44 pontos em julho, de acordo com a média móvel em seis meses. Outro setor bastante estocado era o têxtil, em que o desvio em julho chegou a 35,8 pontos. Esses dois fabricantes também estiveram entre aqueles em que a inflação no atacado, considerando o Índice Geral de Preços ­ Mercado (IGP­M), foi menor entre janeiro e julho, segundo dados com ajuste sazonal do banco. No ramo têxtil, a alta ao produtor no período foi de 4,03%, com avanço ainda menor no IPCA, de 2,13%.

No caso de material de transporte, o IGP­M subiu menos, 2,82%, mas os preços ao consumidor aumentaram 5,6%, devido à recomposição do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Na outra ponta estiveram setores como celulose e papel e alimentos e bebidas. Com desvio de apenas 0,63 em relação à média, o segmento de papel e celulose teve alta de 9,46% no IGP­M de janeiro a julho. Em alimentos e bebidas, em que o desvio em relação à média é negativo em 1,06, o que indica que não há estoques excessivos, a alta de preços foi de 6,02%. No varejo, o aumento do IPCA foi de 5,8%. Para Myriã, é sempre mais importante observar a inflação ao consumidor, mas nem sempre os setores industriais têm correspondentes exatos no IPCA.

É o caso de segmentos com cadeias longas, como metalurgia básica. A partir do comportamento desses dados, diz a economista, é possível avaliar que o repasse só deve ser sentido no fim do ano, e em menor intensidade do que outros períodos.

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Fábio Romão, economista da LCA Consultores, também diz que o PIB em queda e a retração do mercado de trabalho podem postergar os repasses. Ele coloca, porém, essa possibilidade como um risco para a inflação de 2016, porque quem não conseguir repassar preços agora pode tentar elevar os valores dos produtos no ano que vem. Nesse “jogo de forças”, o economista acredita que a atividade vai compensar parcialmente a desvalorização do câmbio, e por isso sua projeção para o IPCA foi mantida em 5,2% para 2016.

Para Myriã, como não é só a indústria que têm estoques altos, já que as grandes empresas do ramo varejista relataram em divulgações trimestrais de resultados que o objetivo central neste momento é reduzir o encalhe de produtos, o banco também não alterou sua projeção de IPCA para o ano que vem, em 5,2%. A recessão mais profunda, com queda de 0,8% do PIB, compensou, nos seus cálculos, o efeito do câmbio em R$ 3,40 projetado para 2016. Os preços das commodities em baixa também minimizam os aumentos dos produtos em reais, lembra Romão, da LCA.

Em sua avaliação, é por isso que o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) referente aos itens agropecuários continua a mostrar variações brandas, mesmo com a desvalorização de mais de 10% do real nas últimas semanas. A redução do impacto da alta do dólar não é exclusividade do Brasil, segundo Marcos Buscaglia, do Bank of America Merrill Lynch (BofA). Em um estudo, ele mostra que o “pass­through” do câmbio diminuiu em quase todos os países da América Latina. Nos últimos doze meses até julho, o real e o peso colombiano se desvalorizaram em 33,8% e 34,9%, respectivamente, mas a inflação de bens comercializáveis manteve­se praticamente estável no Brasil, com pequena aceleração na Colômbia, embora ainda em linha com os demais preços da economia.

Para Buscaglia, três fatores explicam esse movimento. Os preços dos alimentos, por exemplo, estão em queda, o que se contrapõe ao aumento do câmbio. É o contrário do que aconteceu em 2011, quando a desvalorização ocorreu ao mesmo tempo em que as commodities subiram. A formação de preços pelas empresas também mudou, diz o economista em relatório.

As economias da região são hoje mais abertas, com acesso dos varejistas a mecanismos de hedge cambial, por exemplo. Boa parte dos custos dessas empresas, complementa, vêm de itens não­ comercializáveis, como salários, que tendem a arrefecer em meio ao ambiente de desaceleração da atividade econômica. Por fim, diz o analista do BofA, o aumento da credibilidade dos bancos centrais da região, por exemplo, tende a reduzir a tendência das empresas a repassar aumentos de custos. (Colaborou Arícia Martins)

Fonte: Valor

 

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