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Por Guilherme Anachoreta Tostes
Empresas do ramo de consórcios tiveram reconhecido por sentença da Justiça Federal em São Paulo o direito a excluir o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) da base de cálculo das contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e ao Financiamento da Seguridade Social (Cofins). A decisão foi proferida dois meses após o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento realizado por sua 1ª Seção em 10 de junho sob a sistemática dos recursos repetitivos, decidir pela inclusão do imposto na base de cálculo das referidas contribuições.
Apesar da surpresa provocada pela posição do STJ, a decisão não vincula os órgãos do Poder Judiciário. O julgamento em sede de recurso repetitivo limita-se a impedir que o tema seja submetido a reexame do Tribunal, por meio de novos recursos especiais, nos termos do artigo 543C do Código de Processo Civil (CPC). Essa consequência não enseja alteração de prognóstico de ações porventura ajuizadas por outros contribuintes que se encontrem na situação fática analisada.
Nessas ações, o pedido deduzido pelo contribuinte consiste em não ser obrigado a considerar como receita base de cálculo do PIS e da Cofins importâncias destinadas aos cofres públicos municipais, que apenas transitam pelo caixa do contribuinte, sem que integrem seu patrimônio. Espera-se que o Supremo reconheça que o conceito constitucional de receita não comporta a inclusão do ISS O artigo 195, inciso I, alínea “b” da Constituição Federal prevê que o PIS e a Cofins incidem sobre a receita ou o faturamento das empresas.
Como tal, devem ser entendidas as importâncias que ingressem, em caráter definitivo, na esfera patrimonial do contribuinte. Por sua vez, o Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 110, impede que esses conceitos de receita e faturamento sejam desvirtuados para promover aumento da carga tributária.
De acordo com nosso ordenamento, a última palavra em relação à violação de normas infraconstitucionais, dentre as quais aquelas inseridas no CTN, é reservada ao Superior Tribunal de Justiça. Por sua vez, a infração às normas da Constituição Federal é analisada em último grau pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Considerando que o principal fundamento da tese defendida pelos contribuintes qual seja, o conceito constitucional de receita para fins de incidência de PIS e Cofins não foi e nem poderia ser apreciado pelo STJ por se tratar de matéria de competência do STF, sua decisão é reversível.
Paralelo importante, nesse particular, pode ser feito com a tese da não incidência de PIS e Cofins sobre os valores recebidos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços (ICMS), que vinha sendo recusada pelo STJ, chegando inclusive a ser objeto de súmulas sobre a matéria. Esse entendimento acabou sendo revertido pelo STF. No julgamento do Recurso Extraordinário nº 240.785, realizado em 8 de outubro de 2014 sob a relatoria do ministro Marco Aurélio, o STF declarou ser inviável “a tomada de valor alusivo a certo tributo como base de incidência de outro”, concluindo que o ICMS “não compõe a base de incidência da Cofins, porque estranho ao conceito de faturamento”. Também recente é a decisão do próprio STJ no julgamento do Recurso Especial nº 1.505.664, ocorrido em 3 de março deste ano.
A 2ª Turma, sob a relatoria do ministro Humberto Martins, analisou pedido de contribuinte para excluir o ICMS, ISS, PIS e Cofins da base de cálculo da contribuição previdenciária substitutiva, instituída pela Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, por força da qual determinados setores da economia passaram a recolher a contribuição previdenciária sobre a receita, e não mais sobre a folha de salários. Em votação unânime, a 2ª Turma reconheceu que “a discussão referente ao conceito de faturamento e receita bruta, notadamente no que se refere à definição da base de cálculo, implica análise de matéria constitucional, o que é vedado nesta Corte Superior, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal”.
A 2ª Turma do STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.495.583 realizado em 3 de fevereiro deste ano, também já teve a oportunidade de examinar o tema da exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e Cofins. Embora tenha asseverado que, ao “magistrado é facultado aplicar o direito em conformidade com seu livre convencimento, utilizandose dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto”, a turma salientou o “caráter eminentemente constitucional” da discussão travada no acórdão recorrido, deixando de apreciar o “recurso especial, sob pena de usurpação da competência do STF”.
Considerando a matriz constitucional da tese da não incidência de PIS e Cofins sobre os valores recebidos de ISS, o julgado proferido pela 1ª Seção do STJ não deve servir de parâmetro para a análise do prognóstico de perda nos casos ajuizados. A conclusão quanto à viabilidade da tese deve aguardar o posicionamento do STF que, aliás, já a classificou como tema de repercussão geral no Recurso Extraordinário nº 592.616, sob a relatoria do ministro Celso de Mello, aguardando julgamento.
Espera-se que, de forma coerente com o quanto decidido em relação ao ICMS, o STF reconheça que o conceito constitucional de receita não comporta a inclusão do ISS, eis que ingressado em caráter provisório no caixa do contribuinte, até ser efetivamente transferido aos cofres municipais. Guilherme Anachoreta Tostes é advogado de Levy & Salomão Advogados Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte: Valor
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