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MÁRCIA DE CHIARA
01 Outubro 2015 | 05:00
A recessão tirou produtos das prateleiras dos supermercados, especialmente itens considerados supérfluos, como chocolates, cervejas e salgadinhos. Não se trata de uma crise de desabastecimento, mas faltas pontuais, que afetam alguns itens de marcas específicas. Mas, do ponto de vista do consumidor, não deixa de ser frustrante não encontrar o produto desejado na loja, tendo de ir a outra ou trocar de marca.
O índice nacional que mede a quantidade de produtos em falta no varejo em relação ao total de mercadorias da loja atingiu em julho quase 13%. É um resultado cerca de 30% maior em relação ao mês anterior e mais de 50% acima do obtido em julho de 2014, revela pesquisa feita pela empresa especializada em cadeia de suprimentos NeoGrid, em parceria com consultoria Nielsen.
Esse indicador, calculado por meio de uma ferramenta eletrônica que monitora as vendas diárias e os estoques de 228 produtos, entre alimentos, bebidas e artigos de higiene e limpeza, em mais 10 mil lojas de autosserviço, é usado pela indústria para planejar a produção.
“A crise explica boa parte do aumento do índice de falta de produtos”, afirma o diretor de relacionamento do varejo e indústria da NeoGrid. Para Mario Ruggiero, diretor da Nielsen, pelos problemas de logística e de infraestrutura do País, o índice esperado de falta de produtos deveria oscilar entre 6% e 8% e não atingir 13%.
Munhoz diz que uma combinação de fatores tem levado os supermercados a reduzirem as compras e até tirarem das prateleiras alguns itens, o que fez com que o índice de falta de produtos desse um salto.
Um deles é a pressão exercida pelas indústrias para reajustar os preços por causa da alta de custos. Com as vendas em queda, os varejistas negociam ao máximo os repasses e, em casos extremos, deixam de comprar determinados itens para brecar os aumentos.
Esse é o caso do Econ Supermercado, com três lojas no centro da capital paulista. “Tirei das prateleiras alguns pratos congelados da Sadia”, conta o diretor Martinho Paiva Moreira. Ele diz que a fabricante BRF pediu reajuste de 5% a 6% no preço, alegando aumento de custos, entre eles a alta do dólar. Como as vendas da rede caíram 4% entre junho e setembro, ele decidiu cortar esses itens. A BRF informa que a última vez que reajustou preço foi em maio e que não sentiu redução das encomendas por parte do varejo.
“Também deixei de pedir salgadinhos da Elma Chips”, diz Moreira. No caso do salgadinho, a fabricante PepsiCo não pediu reajuste de preço. Mas como se trata de produto tido como supérfluo e de giro baixo, ele optou por deixar de comprar, mesmo correndo o risco de perder o cliente. Procurada, a PepsiCo não comentou.
Medo. Outro fator apontado por Munhoz, da NeoGrid, para a falta de produtos é o medo do varejista de ficar com mercadoria encalhada por causa da queda nas vendas. “O consumidor está cada vez indo menos ao supermercado e comprando menos a cada ida”, diz. Ele explica que hoje os varejistas procuram vender os produtos que já têm no estoque e optam por fazer pedidos mais modestos e adequados à realidade de mercado. “O varejo sentiu a queda nas vendas.”
Pesquisa da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) mostra que as vendas nos supermercados caíram 0,69% entre janeiro e agosto em relação ao mesmo período de 2014, descontada a inflação. A perspectiva é fechar o ano no vermelho, o que não ocorre desde 2004.
Em nota, a direção da Abras diz que “não identificou grande falta de produtos nas prateleiras dos supermercados”. Mas, segundo a entidade, “as empresas do setor, cientes de que não podem perder vendas, ainda mais no momento econômico atual, estão trabalhando com seus fornecedores para ajustarem rapidamente seus estoques aos novos hábitos dos consumidores e assim eliminar a falta de produtos”.
Transporte. Outro fator apontado por Munhoz que contribui para as prateleiras ficarem desfalcadas é a operação logística, que afeta principalmente quem não tem frete próprio. Nesse caso, com o aumento de custos e redução dos volumes transportados, há empresas que esperam completar a carga do caminhão para iniciar as entregas. Com isso, atrasam o abastecimento das lojas.
Nos últimos meses, a professora Maria de Fátima Teixeira, de 50 anos, casada e com um casal de filhos, está gastando mais tempo para fazer as compras de supermercado. “Faz três meses que não consigo encontrar alguns itens que procuro e tenho de ir a outras lojas para completar a compra. Gosto de fazer a despesa de uma só vez.”
Um exemplo de produto que, segundo ela, desapareceu das prateleiras dos supermercados é o biscoito Passatempo com cobertura de chocolate, da Nestlé. Procurada, a Nestlé informa que a produção do biscoito está normal e acredita que a falta do produto possa ter ocorrido por problemas pontuais na distribuição. “Meu filho é quem gosta desse biscoito”, diz a professora, que já foi às lojas do Atacadão, Carrefour, Assaí e Extra para ver se encontrava o produto.
Além do biscoito, ela sentiu também falta do coador para cafeteira elétrica e de barrinhas de cereais. Cada vez que vai às compras do mês, deixa cerca de R$ 900 no supermercado, percebe falta de algum item e nota que os preços subiram em relação ao mês anterior.
Menos atenta a preços, a sua sobrinha, Débora Teixeira da Silva, de 23 anos, secretária, também reclama da falta de produtos. Consumidora fiel da batata Pringles sabor pimenta, faz cinco meses que ela não encontra o produto com esse sabor. “Já fui ao Walmart e ao Extra e não encontrei essa batata.”
Renata Barreto, diretora de Marketing da Globalbev, importadora da Pringles, explica que o sabor procurado é uma edição limitada e que, portanto, não está disponível hoje no mercado. De toda forma, Renata diz que nos últimos três meses houve uma redução de 10% no volume comprado pelos varejistas. “Os itens de indulgência estão sendo mais afetados.”
Redes. Procurado, o GPA, dono do Extra e Assaí, diz que “vem adequando o sortimento, o que não significa redução na quantidade de produtos, mas maior foco em itens que compõem a cesta frequente de compras”.
Para o Walmart, “a falta de um produto específico pode se dar por diferentes razões, como a capacidade de produção e entrega da indústria, mudança no comportamento do consumidor”.
O Carrefour diz que para evitar aumento de preço negocia com fornecedores e “diante desse cenário, a companhia atua focada em sua eficiência logística para garantir o abastecimento das lojas”
O Atacadão informa que trabalha para garantir a disponibilidade dos produtos. “Mas, pelas características do atacado, uma compra de alto volume pode esgotar temporariamente a oferta de um determinado item.”
Fonte: Estadão
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