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Estados Unidos, Japão e dez outros países banhados pelo oceano Pacífico alcançaram ontem um acordo histórico, destinado a diminuir as barreiras comerciais a bens e serviços e a fixar regras para comércio numa área que inclui 40% da economia mundial. Para os EUA, o acordo da Parceria Transpacífico (TPP) abre mercados agrícolas no Japão e no Canadá, endurece normas de propriedade intelectual que beneficiam empresas farmacêuticas e de tecnologia e cria um bloco econômico muito coeso para desafiar a influência da China na região.
O presidente Barack Obama elogiou ontem o acordo, dizendo que ele abrirá novos mercados a produtos americanos e fixará padrões elevados para proteger os trabalhadores e o meio ambiente. “Essa parceria dá igualdade de condições aos nossos agricultores, pecuaristas e industriais ao eliminar mais de 18 mil impostos adotados sobre os nossos produtos por vários países”, disse o presidente em nota. “[Ela] incorpora os compromissos mais sólidos na área de mão de obra e de meio ambiente do que qualquer acordo de comércio da história, e o cumprimento desses compromissos é fiscalizável, ao contrário do que ocorreu com os acordos passados.”
O pacto é uma vitória de Obama, que o vê como um propulsor do crescimento da economia, um fator de fomento aos setores competitivos e um vínculo entre países do Pacífico com ideias afins, numa época em que a China – que não participa do bloco – adota uma postura mais assertiva, tanto econômica quanto militarmente. Mas Obama enfrentará um grande desafio para conseguir com que o acordo seja aprovado por um Congresso profundamente dividido. Só um número reduzido de parlamentares democratas apoia a política comercial de Obama, e o respaldo dos republicanos é imprevisível no ano eleitoral de 2016. Ele depende da posição dos pré-candidatos e da nova liderança da Câmara dos Deputados.
Nessas circunstâncias, o pacto só poderá ser posto em votação no Congresso a partir do início de 2016. Após dezenas de rodadas de negociação e de cinco dias de discussões em Atlanta, os ministros de Comércio Exterior e outras altas autoridades disseram ter solucionado grandes conflitos sobre proteção à propriedade intelectual de medicamentos biológicos, normas de origem para automobilística e sobre laticínios. Se aprovado pelo Congresso americano, o acordo vai marcar uma expansão, na prática, do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), lançado duas décadas atrás, de modo a incluir Japão, Austrália, Chile, Peru e vários países do Sudeste Asiático.
O pacto vem sendo formulado desde 2008, mas foi paralisado por conflitos politicamente delicados, entre os quais uma disputa entre Estados Unidos e Japão em tomo da indústria automobilística. Um dos últimos conflitos a serem solucionados opunha a Austrália aos EUA, que tentavam obter até 12 anos de proteção para medicamentos biológicos, ante similares genéricos. Os dois países chegaram a uma complicada solução de compromisso que concede pelo menos cinco e potencialmente não menos que oito anos de exclusividade aos originais. Chile, Peru e outros países continuam preocupados com o aumento dos preços dos medicamentos por meio de longos períodos de exclusividade, de acordo com pessoas que acompanharam as conversações.
Em outro acordo de última hora, Canadá e Japão aceitaram aumentar o acesso aos seus altamente controlados mercados de laticínios, ao permitir o ingresso de alguns produtos americanos, mas a Nova Zelândia também convenceu os EUA a aceitar um volume maior de seus produtos à base de leite. A briga dos laticínios concentrou a atenção do Congresso dos EUA, onde o senador democrata Ron Wyden e o deputado republicano Paul Ryan, dois parlamentares que supervisionam a política de comércio exterior, exigiram que os produtores de laticínios de seus Estados (respectivamente Oregon e Wisconsin) obtenham mais acesso a consumidores canadenses, uma concessão delicada para o Canadá, que atravessa período eleitoral.
A legislação destinada a agilizar a tramitação do acordo pelo Congresso foi aprovada em votação apertada no terceiro trimestre, e uma série de fatores, entre os quais as pressões da campanha presidencial, poderia dificultar a aprovação de um acordo final. Parlamentares de ambos os partidos americanos manifestaram reservas em tomo das cláusulas do acordo nos últimos dias. Entre eles estavam vários que votaram a favor de legislação anterior para avançar na negociação do pacto.
A probabilidade da aprovação pelo Congresso dependerá, em grande medida, da redação final de uma série de cláusulas, que vão desde o fortalecimento dos direitos dos sindicatos até a possibilidade de as companhias de cigarros americanas enfrentarem limitações especiais dentro dos países signatários do TPP. O senador republicano Orrin Hatch apoia, há muito, doze anos de exclusividade para medicamentos biológicos, e funcionários do Congresso presentes nas conversações de domingo disseram ainda estar digerindo as implicações do acordo EUA-Austrália para os laboratórios farmacêuticos.
A PhRMA, que representa algumas das maiores empresas farmacêuticas americanas, disse estar “decepcionada”, mas declarou que vai avaliar os detalhes. No setor de produtos farmacêuticos e em outros, autoridades americanas buscaram chegar a um acordo passível de ser aceito por outros países e pelo maior número possível de congressistas, sem desencadear uma oposição frontal de um grande grupo setorial. Muitos parlamentares democratas e grupos que apoiam medicamentos genéricos e remédios mais baratos não queriam aceitar mais do que cinco anos de exclusividade para medicamentos biológicos, e não ficou claro de imediato se a solução de compromisso a que se chegou na TPP atenderia às suas preocupações.
Os sindicatos americanos e seus aliados entre grupos de defesa do consumidor e de proteção ambiental estão entre os maiores críticos do TPP. A oposição de esquerda impediu Obama de obter o apoio de muitos de seus colegas democratas – já céticos quanto às vantagens do acordo para os trabalhadores americanos – à sua política comercial. Um grupo de parlamentares republicanos tem objeções a cláusulas que fortalecerão a influência de grupos trabalhistas, afetarão a capacidade das empresas de cigarros de combater as normas de embalagem e outras leis no exterior e possivelmente prejudicarão setores regionais, desde os de criadores de gado leiteiro até os produtores de açúcar.
Valor Econômico (William Mauldin/The Wall Street Journal) [:]