A última surpresa do Fisco

 

Por Bruna Camargo Ferrari

Aos contribuintes que cogitavam a possibilidade de um segundo semestre menos “inovador” do ponto de vista tributário, parece que não será este o caso. No dia 22 de julho, após as reiteradas alterações tributárias do primeiro semestre, o contribuinte foi novamente surpreendido. Com o intuito de reduzir o contencioso tributário no país e facilitar o seu pagamento, foi publicada a Medida Provisória nº 685. Além de instituir o Programa de Redução de Litígios tributários (Prorelit), a medida criou a obrigação de informar à Receita Federal sobre as operações de planejamento tributário, realizadas por pessoas jurídicas no ano calendário anterior. Quanto ao Prorelit, destaque-­se, apenas, ser uma faculdade de uso de créditos tributários para liquidação de passivos em aberto com a União.

O programa possibilita o pagamento de litígios tributários com o saldo de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa da CSLL, mas não a redução de multas, juros ou encargos correlatos. Não se trata deste modo, de novo Refis. Ao invés de uma norma geral anti elisiva, o governo traz o dever de o contribuinte analisar seu planejamento tributário e qualificá­-lo Verdadeiro presente de grego do governo, no entanto, é a declaração de planejamentos tributários. Apesar de buscar a transparência tributária, a redução de litígios e de passivos tributários, bem como um melhor relacionamento entre Fisco e contribuinte, a declaração traz vários fatores que prejudicam o contribuinte. Há insegurança decorrente da subjetividade das operações que deverão ser declaradas e das análises a serem realizadas pela Receita e há receio das consequências da declaração. Não são todas as ações praticadas com a finalidade de conferir maior eficiência tributária pelo sujeito passivo que deverão ser declaradas ao Poder Executivo.

Foram destacadas as ações que envolvam:

1) atos ou negócios jurídicos praticados sem razões extra tributárias relevantes;

2) forma não usual, negócio jurídico indireto ou cláusula que desnature os efeitos de um contrato típico; e

3) aquelas que tratarem de atos ou negócios jurídicos específicos previstos em ato da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Uma interpretação razoável parece demonstrar que somente planejamentos tributários considerados como abusivos ­ em linha com decisões administrativas que invocam a necessidade de substância econômica e propósito negocial para oponibilidade ao Fisco ­, deverão ser declarados. Não obstante, a classificação é extremamente subjetiva e não há qualquer definição na legislação atual quanto aos critérios mencionados. Ao menos desde a introdução do parágrafo único ao artigo 116 do CTN, os contribuintes aguardam uma legislação que venha a definir claramente os procedimentos e requisitos para descaraterização pelas autoridades administrativas dos negócios jurídicos praticados.

Ao invés de regulamentar uma norma geral anti elisiva, o governo traz, agora, o dever de os contribuintes analisarem seus planejamentos tributários e de qualificá-­los, de acordo com posicionamentos contraditórios, subjetivos e incertos.

Transcorridos nove meses do ano findado, deverão os contribuintes declarar as operações que estejam em conformidade com as características da nova declaração e, portanto, realizar uma espécie de denúncia espontânea ao fisco. Isto porque, no caso da Receita Federal não reconhecer, para fins tributários, as operações declaradas, o sujeito passivo será intimado a recolher ou a parcelar, no prazo de 30 dias, os tributos devidos acrescidos somente de juros de mora. Ressalve-­se, entretanto, que de espontânea, a declaração não tem nada.

Somando­-se à obrigatoriedade de sua entrega, o seu descumprimento caracteriza omissão dolosa do sujeito passivo com intuito de sonegação ou fraude, submetendo o contribuinte ao pagamento dos tributos devidos, acrescidos de juros de mora e de multa agravada, e de provável responsabilização penal. Em que pese a necessidade de regulamentação pelo Fisco, dificilmente serão abordadas e esclarecidas todas as definições subjetivas que levarão ao cumprimento da obrigação, bem como critérios a serem seguidos pelo Fisco na análise das informações prestadas. É clara a intenção da Receita Federal de reduzir o contencioso tributário e acelerar a arrecadação dos valores envolvidos à União.

Até aí, não há nada de novo. Poderia, inclusive, ser eficiente a atitude do Fisco, considerando a possível redução de planejamentos tributários com claros fins de evasão fiscal, que não só prejudicam a arrecadação de recursos proporcionais à capacidade contributiva de cada sujeito passivo, como sua distribuição pelo governo. Porém, não há um consenso na jurisprudência, muito menos previsão legal, que delimite os requisitos para enquadramento de planejamentos tributários como abusivos, bem como o procedimento aplicável para o Fisco desqualificar os atos ou negócios jurídicos praticados.

A aprovação de tal alteração pelo Poder Legislativo tenderá a causar, de fato, efeito reverso do pretendido pela norma. Ao contribuinte é garantido o contraditório e ampla defesa, que certamente deverão ser utilizados contra a presente alteração. A declaração depende de uma norma de eficácia limitada, nunca regulamentada. O contribuinte não pode ficar à mercê de obrigações e respectivas penalidades, por fatos incertos e exigências duvidosas. Bruna Camargo Ferrari é advogada em São Paulo, mestranda em direito tributário pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP) Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor

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