BRÁULIO BORGES
Perante boa parte da população brasileira, a taxa de câmbio costuma representar uma espécie de síntese do quadro macroeconômico doméstico. Quando o real está forte e relativamente estável, é o símbolo da bonança. Quando ele está se depreciando e muito volátil, é o sinal de tempos turbulentos.
Em linhas gerais, essa percepção comum parece estar correta. Mas, como analista econômico, não posso deixar de apontar algumas questões pertinentes no momento atual.
Aos números: desde o começo de 2014, o real brasileiro perdeu cerca de 35% de seu valor em relação ao dólar norte-americano (com a cotação da moeda americana passando de R$ 2,40 para perto de R$ 3,25 nos últimos dias). Trata-se, sem dúvida, de uma desvalorização expressiva.
Mas, quando se faz a mesma comparação do real com o euro (que é a segunda moeda mais importante em escala global), esse percentual cai a módicos 5%.
Essa grande disparidade evidencia que há algo bastante importante acontecendo no mercado global de moedas nesse ínterim, que é a tendência de fortalecimento do dólar estadunidense em relação a praticamente todas as outras moedas.
De fato, quando se leva em conta uma cesta das seis principais divisas globais em relação ao dólar, observa-se que, entre o começo de 2014 e agora, a moeda norte-americana se valorizou em quase 25% (o que significa dizer que as demais moedas, em média, perderam nesse período quase ¼ do seu valor em relação ao dólar).
Com efeito, cerca de 70% da depreciação do R$/US$ desde o começo de 2014 é explicada por fatores globais, ao passo que o restante se explica por elementos mais idiossincráticos à nossa economia, sobretudo a possibilidade (praticamente certa, na visão dos mercados) de que vejamos nossa classificação de risco ser rebaixada pelas agências, diante da forte deterioração de nossas contas fiscais e externas nos últimos anos.
Essa tendência de fortalecimento do dólar, por sua vez, está associada em grande medida à atual situação cíclica dos Estados Unidos.
Depois de enfrentar um caminho bastante atribulado e tortuoso para superar a grande crise de 2008/09, a maior economia do mundo finalmente passou a “bater um bolão” de meados de 2014 para cá. Por outro lado, boa parte do resto do mundo vem mostrando desempenho bastante fraco de 2012 para cá, alguns países mais do que outros.
Mas a valorização do dólar em relação às demais moedas faz parte da solução para esse “problema”: ao ganhar competitividade com um câmbio mais desvalorizado, a tendência é que o “mundo ex-EUA” aumente suas exportações para os EUA, ajustando suas contas externas e impulsionando seu crescimento (o que também ajuda a melhorar as contas públicas).
Quando isso começar a acontecer para valer, terá início um novo ciclo, dessa vez com as demais moedas se valorizando em relação ao dólar (como aconteceu até meados de 2011/12).
Isso dá uma dica de como deve ser o padrão de crescimento da economia brasileira nos próximos anos, passado o período mais agudo do ajustamento macroeconômico (2014/2015): uma economia muito mais puxada pelas exportações do que pela demanda interna (em contraste com o padrão observado entre 2004 e 2013).
Agora, é bom não contar somente com o câmbio mais competitivo, pois os demais países também estão sendo agraciados com isso.
É importante, mais do que nunca, reforçar a agenda pró-eficiência e competitividade, retomando tempestivamente as agendas de concessões de setores de infraestrutura e de aprimoramento do ambiente de negócios doméstico.
Fonte: Folha