A retomada de barganhas decisivas entre o Mercosul e a União Européia (UE) para a conclusão do acordo de livre comércio deverá tomar mais tempo do que pensava a presidente Dilma Rousseff ao chegar ontem a Bruxelas.
E isso na prática pode ajudar o governo de Cristina Kirchner na Argentina, em plena campanha eleitoral. A intenção de Dilma, revelada no avião quando viajava para Bruxelas, era propor aos europeus estabelecer a data de 18 de julho para a troca de ofertas de liberalização, mas não haverá tempo para isso.
A fixação da data aceleraria as barganhas finais para um acordo que o governo brasileiro vê como prioridade para ser concluído ainda em 2015. Sem fixar uma data, o tema, polêmico, sai do radar na campanha eleitoral argentina.
A EU precisará antes consultar seus 28 Estados membros para responder ao Mercosul. “Acho que não se fixará data agora, por causa das férias de julho e agosto na Europa”, conformou-se a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, particularmente engajada na busca de um acordo.
O assessor internacional do Palácio do Planalto, Marco Aurélio Garcia, disse que todo mundo está consciente de que a retomada da negociação vai levar tempo, o que pode combinar com o fim da eleição presidencial na Argentina, em outubro. Ou seja, não seria problemático esperar o pleito argentino.
Até lá Buenos Aires não vai mesmo se comprometer com abertura de mercado.
Já o setor privado brasileiro não esconde a impaciência por continuar perdendo espaço no mercado comunitário. Cristina Kirchner sequer veio a Bruxelas, sabendo das discussões que Dilma queria ter com líderes europeus.
As duas presidentes não conversaram por telefone, segundo alta fonte do governo. Dilma queria evitar falar com alguém que só pensa em adiar a negociação, disse a fonte diretamente envolvida nas decisões do lado brasileiro.
O fato, porém, é que o governo Dilma deu sinais de recuo na ideia de “velocidade diferenciada” na negociação, pelo menos pelo momento.
De um lado, Kátia Abreu chegou a dizer logo que chegou a Bruxelas que, se a presidente da Argentina não quisesse avançar na negociação birregional, “ficaria para trás”.
Duas horas depois, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro, tratou de dizer que o Mercosul atuaria em conjunto: “Nunca consideramos a possibilidade de negociar sem a Argentina”. Segundo o ministro, a ideia de acordo com “velocidades diferenciadas”, pela qual o Brasil poderia acelerar a liberalização com os europeus e a Argentina ficar para mais tarde, partiu basicamente do Uruguai.
O Paraguai, que assume a presidência rotativa do Mercosul no segundo semestre, também tem divergências.
O presidente Horacio Cartes rejeitou acordo de liberalização em duas etapas, dias depois de seu ministro de Relações Exteriores, Eladio Loizaga, ter admitido essa possibilidade.
A presidente Dilma insistiu que o Brasil está pronto para entregar a oferta de liberalização do Mercosul. Hoje haverá reunião ministerial entre os dois blocos. “Será um teste da real disposição dos dois blocos de avançar”, na avaliação de uma fonte.
Na verdade, fontes na UE insistem que precisam ter mais sinalização sobre o conteúdo da oferta do Mercosul antes de partir para troca de ofertas.
A UE já tem acordos comerciais com 26 países da América Latina e do Caribe. Os EUA também têm número importante de acordos na região.
O Brasil está ficando cada vez mais isolado, sem acordo.
A ministra da Agricultura nota que as importações de alimentos pela UE alcançam EUR 180 bilhões, dos quais o Brasil só tem 11%. Ao lado das negociações com a UE, o Mercosul decidiu
explorar a possibilidade de um acordo de livre comércio com a Associação Européia de Livre Comércio (EFTA), formada por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein.
Como não são membros da União Européia, esses países estão agora especialmente empenhados em negociar preferências comerciais com o Mercosul, para não perder vantagem competitiva se houver, antes, um acordo entre a UE e o bloco sul-americano. “Estamos muito encorajados com a perspectiva futura para novas exportações nesses mercados de alto poder aquisitivo”, afirmou o embaixador Ronaldo Costa Filho, chefe da delegação e diretor do Departamento de Negociações Internacionais do Ministério de Relações Exteriores. Sem surpresa, a EFTA, com forte influência da Suíça, manifesta especial interesse em ter mais acesso ao mercado de serviços financeiros no Mercosul, caso haja acordo. Também quer garantir que seus produtos farmacêuticos cheguem ao bloco em igualdade de condições com os laboratórios do bloco comunitário.
O Mercosul se interessa, sobretudo, por acesso para seus produtos agrícolas, o que não é fácil, considerando que Suíça e Noruega estão entre as campeãs mundiais de protecionismo no setor. Nos últimos 15 anos houve muitas trocas de informações.
Mas, nesta semana, foi a primeira vez em que os dois lados se reuniram, em Genebra, para tratar da possibilidade de acordo delivre comércio.
O resultado foi considerado positivo, com nova reunião tendo sido marcada para o segundo semestre. O chamado “processo exploratório” não deverá ser longo.
O fluxo comercial entre Mercosul e EFTA alcançou US$ 7,4 bilhões no ano passado.
As maiores exportações do bloco europeu foram de farmacêuticos, produtos químicos, maquinaria, petróleo, carvão e pescados. O bloco do Cone Sul vendeu, principalmente, produtos agrícolas, alimentos industrializados, químicos e metais.
Fonte: Valor Econômico – 11/05/2015