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Por Dalton Hirata e Daniel Zugman
A OCDE, organização internacional para cooperação econômica, juntamente com o G20, emitiu em outubro deste ano o relatório final da chamada “iniciativa BEPS”. Tratase de projeto que visa ao reforço de regras nacionais, transnacionais e de práticas tributárias dos países envolvidos com o objetivo de mitigar a perda de arrecadação tributária em virtude de práticas dos contribuintes ao operar os chamados planejamentos tributários agressivos. É verdade que a prática do planejamento tributário já é, há anos, alvo de intensos debates, mas é possível afirmar que o BEPS se destaca por sua abrangência nas práticas abusivas identificadas e, sobretudo, por seu escopo global. Não por outra razão, as recomendações finais do BEPS envolvem alterações legislativas nacionais e supranacionais (leia-se, Tratados contra Dupla Tributação e para a Troca de Informação) que devem ser coordenadas entre os diversos países participantes sob pena de perda de sua eficácia.
É importante que o país adote posição político jurídica coerente com os padrões internacionais Cite-se, por exemplo, o Plano de Ação 5, o qual recomenda que os países introduzam requisitos de substância na legislação doméstica (componente local) para que os contribuintes aproveitem de benefícios fiscais, como alíquotas efetivas menores para empresas de pesquisa e desenvolvimento. Ademais, recomenda-se prática de troca de informações entre países mais efetiva (componente internacional) para determinar como regimes fiscais mais benéficos para certos contribuintes podem erodir a base tributável de um determinado país.
Em um cenário em que as transações geradoras de valor substancial estão cada vez mais móveis e transnacionais, as recomendações do BEPS são importantes para que os países possam proteger sua base tributável, alocando a competência para tributar à jurisdição em que o valor é efetivamente gerado, independentemente da existência de estruturas societárias transnacionais. Mas a outra face da moeda também é aplicável: as recomendações do BEPS não se esquecem que a previsibilidade de sua aplicação, bem como o menor custo de compliance possível, devem ser valores preservados para que os contribuintes não sejam onerados de forma excessiva. É por esse motivo que em diversas das ações relacionadas ao BEPS a OCDE emitiu relatórios, formulários e planilhas padrões que deverão nortear a implementação das alterações em cada país.
Afinal, em um contexto de trocas e operações transnacionais e de fiscalizações também transnacionais, é importante que as empresas e as autoridades fiscais dos diversos países compartilhem conceitos e práticas similares, sob o risco de perda de efetividade das recomendações do BEPS. Neste contexto, cabe questionar em que fase está o Brasil na implementação das recomendações do BEPS. Como membro do G20, o país é associado ao projeto mas, dos 15 Planos de Ações divulgados, adotou medidas concretas e expressamente inspiradas no BEPS em relação a apenas um deles (Ação 13): trata-se da obrigação de declaração de informações sobre planejamentos tributários, introduzida pela MP 685 de 2015, a qual instituiu a chamada Declaração de Informações de Operações Relevantes (DIOR).
Porém, muito em virtude de controvérsia sobre as condições para sua aplicação e penalidades sobre os contribuintes que as descumprissem, o Congresso Nacional não aprovou o trecho da MP que tratava da declaração. Além disso, o Brasil também tem se engajado na negociação de novos acordos para troca de informações para fins tributários, o que está em linha com as recomendações do BEPS, bem como na implementação de mecanismos domésticos que viabilizam tais acordos, como a EFinanceira, obrigação acessória a ser entregue por instituições financeiras reportando dados a respeito de certos correntistas.
Vê-se, portanto, que, embora ainda exista um longo caminho, o Brasil já começou a adotar medidas concretas que vão ao encontro do BEPS. Não obstante esse esforço, é importante que o país adote posição políticojurídica coerente com os padrões internacionais que deseja implementar. Por exemplo, caso o país reconheça que as recomendações da OCDE sobre o combate à aplicação abusiva de tratados tributários devam ser seguidas (contemplada na Ação 06 do BEPS), é importante que os próprios tratados sejam respeitados pelo Brasil. Nesse sentido, vale recordar que o nosso país adota interpretações consideravelmente controvertidas sobre algumas cláusulas dos tratados para evitar dupla tributação.
O maior exemplo nesse sentido diz respeito ao artigo 7º dos referidos tratados, que deveria evitar a incidência de Imposto de Renda na Fonte sobre pagamentos por serviços prestados por não residentes. Ocorre que as autoridades fiscais têm interpretação significativamente controvertida acerca do escopo do artigo 7º nesses casos, o que pode constituir até mesmo violação do tratado.
Assim, muito embora o Brasil tenha sido participante ativo das discussões do BEPS e tenha iniciado a implementação de medidas fiscalizatórias inspiradas nas recomendações da OCDE, seria salutar que o país também se esforçasse para debater consistentemente a forma de aplicação dessas medidas com a sociedade civil. Além disso, seria também necessário adotar práticas e interpretações coerentes com os padrões internacionais, principalmente em relação aos tratados tributários.
Dalton Hirata e Daniel Zugman são associados do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados e mestres em direito e desenvolvimento pela Fundação Getulio Vargas/SP Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte: Valor
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