A distância de milhares de quilômetros não foi suficiente para impedir que o selo “made in China” seja cada vez mais presente na América do Sul, ao mesmo tempo em que os produtos brasileiros perdem espaço na região.
No ano passado, de tudo o que os países sul-americanos (exceto Brasil) compraram, 17,4% vieram do gigante asiático, quase seis pontos percentuais mais que em 2007 e três pontos acima de 2010, mostrando avanço constante.
O crescimento chinês foi conquistado em grande parte à custa do Brasil, seja porque destronou produtos brasileiros rivais, seja porque avançou em segmentos em que as empresas brasileiras não atuam.
O resultado é que a participação brasileira nas compras dos países vizinhos ficou em 11,7% do total no ano passado -a fatia havia sido de 14,2% em 2010, ano de recuperação da economia global após a crise que afundou o PIB mundial em 2009 e em que o Brasil crescera 7,5%.
O Brasil nesse período perdeu participação em todos os países da América do Sul. A única exceção foi o Paraguai, a menor economia da região.
Com os chineses, o movimento foi exatamente o oposto: conquista de espaço em toda a região, menos no Paraguai, onde, apesar da perda, continua a liderar as vendas para o país.
Essa “invasão” está deixando os asiáticos cada vez mais próximos de assumir o posto de maior vendedor para o bloco (posição hoje dos EUA, com 19,7% das vendas em 2013) e não se deve a um produto ou país isolado.
Na Venezuela e no Equador, por exemplo, eles mais que dobraram a sua participação durante o período.
LÍDER, MAS NEM TANTO
O caso mais emblemático dessa disputa entre Brasil e China é a Argentina, país em que o setor exportador brasileiro continua a ser o líder de vendas -a Bolívia é o outro país “dominado” pelo Brasil.
A perda de participação de 18% no país não foi a maior do Brasil entre 2010 e 2013 (esse posto pertence ao Peru, com queda de 26,4%), mas é mais sentida porque os argentinos são o principal destino das vendas brasileiras na região: de cada US$ 100 exportados para a América do Sul, US$ 48 rumaram para a Argentina no ano passado.
Um dos problemas das vendas brasileiras é que são concentradas em poucos produtos (no caso argentino, o setor automotivo), o que as tornam mais suscetíveis a crises.
A China, por sua vez, vende muito mais itens (são 4.985 artigos diferentes, ante 3.723 do Brasil) e é menos dependente: apenas nove dos produtos exportados tiveram saldo individual acima de US$ 100 milhões em 2013. No caso brasileiro, foram 25.
Essa diversidade ajuda a explicar, em parte, por que os chineses aumentaram a participação no mercado argentino, ultrapassando os EUA como segundo exportador.
A outra parte da explicação é a competitividade, que permite que ela ganhe mercado de produtos brasileiros apesar do custo de transporte. O efeito é sentido no caso dos aparelhos de telefonia celular, setor que os produtos brasileiros chegaram a dominar, mas foram engolidos pela concorrência chinesa.
MUDANÇA DE MODELO
O governo chinês reiterou que pretende tornar a economia menos dependente das exportações, com o consumo interno, mas ela vai continuar sendo potência exportadora, diz Matt Ferchen, especialista em China do instituto americano do Carnegie Endowment for International Peace.
“A grande questão para a América do Sul é como essa mudança vai afetar o investimento direto na região e o apetite por matéria-prima.”
Fonte: Folha de S. Paulo