Sampaio, do Boticário: “Preço e falta de papelão, plásticos para embalagens e alumínio podem frear a indústria de beleza” — Foto: Guilherme Pupo
A pandemia da covid-19 intensificou a lavagem das mãos e os banhos, cuidados apontados como duas das principais ferramentas de prevenção da doença e estimularam as vendas de itens de higiene pessoal. O crescimento foi de 19% em julho na base anual, segundo os dados mais recentes da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec). Mas o aumento dos custos de produção já passa a limitar esse avanço em um cenário de renda familiar menor, com desemprego crescente e valor do auxílio emergencial pela metade.
A Abihpec estima aumento dos preços dos insumos de 25% a 30%. “Ficamos receosos com o fim do ano, porque os dissídios salariais serão baixos e o auxílio emergencial menor. Então, fazer o reajuste de preços é difícil”, diz João Carlos Basílio, presidente da associação. Além disso, conta ele, quem não tinha grandes estoques já fala em falta de produtos.
A escassez e o aumento de preços de insumos têm pressionado a indústria. Um levantamento da Fiesp, feito no começo de setembro com 314 empresas de diferentes setores, mostrou que 63% das companhias estão com estoques abaixo do nível normal. De acordo com o levantamento, entre os motivos para a escassez e o aumento de preços estão: uma redução inicial da demanda interna, a desvalorização cambial, a forte recuperação da economia chinesa e a retomada mais robusta e acelerada da atividade doméstica.
No caso da indústria de higiene pessoal e beleza, a Abihpec cita as caixas de papelão, os tubos de alumínio e o sebo bovino como alguns dos produtos cuja oferta está restrita e os preços bem mais elevados. “O reajuste do alumínio deve ficar acima de 18%”, diz Basílio.
No grupo Boticário, a demanda maior por produtos de higiene pessoal fez a produção da divisão de autocuidados (cremes, sabonetes e xampus) crescer 14,5% no terceiro trimestre, quando comparado ao mesmo período de 2019, mas a escassez e o aumento de preços entraram no radar da companhia. Sérgio Sampaio, diretor-geral de operações do grupo, explica que se esse cenário perdurar por 120 dias, mesmo as grandes empresas sofrerão com falta de abastecimento de produtos como papelão, plásticos para embalagens e alumínio podem frear o avanço da indústria de beleza.”
A maior procura por itens de higiene pessoal fez a Johnson & Johnson (J&J) lançar um sabonete líquido para crianças de 2 a 7 anos que não estava no cronograma de lançamentos, conta o vice-presidente de estratégia, Ricardo Wolff. Na propaganda, o sapo, que não lavava o pé, agora lava muito bem as mãos e a música do comercial dura 20 segundos, tempo recomendado pelas autoridades de saúde para a higienização adequada. As vendas de sabonetes líquidos da empresa, exclusivos para o público infantil, cresceram 20%. “Vimos claramente acontecer uma maior valorização da higiene”, diz Wolff. Os sabonetes em barra, cujo portfólio se estende ao público adulto, também viram forte crescimento. “Não sentimos a falta de insumos porque fomos rápidos no contato com os fornecedores, mas há uma preocupação em relação à valorização do dólar, já que uma boa parte dos insumos está atrelada à moeda.”
Uma das grandes preocupações do setor tem sido o preço do sebo bovino, que compõe quase a totalidade dos sabonetes em barra fabricados no Brasil. A cotação da tonelada passou de R$ 3 mil em janeiro para mais de R$ 6 mil nas últimas semanas de setembro. “Nosso principal insumo dobrou de preço e fazer o reajuste não é fácil. É uma situação delicada, de margem pressionada. E só piora”, conta Breno Grou, diretor da Associação Brasileira da Indústria Saboeira (Abisa) e da Sinter Futura, empresa que produz para grandes companhias e é dona das marcas Farnese e Cloy.
No caso do sebo, parte do aumento de preço é atribuída à maior destinação para a produção do biodiesel. Com o dólar alto, os produtores de óleo de soja intensificaram a exportação e a gordura animal ganhou mais espaço na composição. Além disso, a oferta de sebo no mercado também diminuiu por causa da queda dos abates, diz Décio Coutinho, que comanda a Associação Brasileira de Reciclagem Animal (Abra). “Com a suspensão de restaurantes, eventos e turismo, o consumo interno de carne caiu fortemente e os frigoríficos reduziram os abates. Por outro lado, o dólar se valorizou e a cotação do boi subiu, o que é estímulo para exportar e para reduzir o abate de fêmeas a fim de aumentar a produção de bezerros”, explica Décio, que estima a normalização dos preços só a partir dos dados da balança comercial, mostram que a importação de óleos e gorduras animais saltou 207% em setembro de 2020 quando comparado ao mesmo mês de 2019, para 13,2 mil toneladas. Fabricante de sabonetes para as grandes marcas, a JBS tem respondido por grande parte dessas importações de sebo, segundo fontes. Procurada, a empresa não quis comentar.
Mas nem mesmo os produtos com composição vegetal têm conseguido escapar da alta dos preços. Sócia da marca de produtos veganos e orgânicos AhoAloe, Larissa Pessoa conta que optou por segurar o reajuste para as lojas parceiras que vendem sus produtos, mas foi necessário um “pequeno aumento de preço” para o consumidor. Ela conta que as maiores pressões têm sido por custos de logística, escassez de caixas de papelão e preços elevados de matérias-primas com preços atrelados ao dólar. Os óleos vegetais, por exemplo, costumam acompanhar os preços do óleo de soja. “Produzir nossa babosa e algumas ervas, o que responde por 50% da produção, ajudou a conter os custos.”
A frente da secretaria especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do governo federal, Carlos da Costa argumenta que o ‘efeito chicote” observado nos preços recentemente é resultado de uma retomada mais rápida do que se imaginava e “qualquer medida do governo geraria mais distorção”. Quanto ao dólar, o secretário defende que as cotações do passado é que estavam mais “desajustadas”, com os juros mais altos sobrevalorizando o real. Para os fabricantes o momento é de equilibrar os pratos. Tanto Sampaio, do Boticário, quanto Wolff, da J&J, avaliam que o custo precisará ser absorvido pela indústria. “O consumidor está muito sensível a centavos de reajuste”, diz Sampaio.
Fonte: Valor Econômico