Por Laura Ignacio e Zínia Baeta
Aguardado há mais de um ano pelas empresas, o Decreto nº 8.420, que regulamenta a Lei Anticorrupção (12.846, de 2013), foi publicado ontem e surpreendeu positivamente advogados que acompanham o tema. A única observação negativa em comum continua a ser em relação ao acordo de leniência, que na avaliação dos profissionais não oferece a segurança necessária às companhias que quiserem aderir a um acordo. A análise é que, apesar da demora, a redação do regulamento ficou muito além das expectativas, por deixar clara a forma de cálculo das multas, detalhar os programas preventivos a serem adotados pelas companhias (compliance) para a redução das possíveis penas e por avançar, em alguns pontos, em relação à própria lei.
Um dos pontos positivos destacados pela advogada Isabel Franco, sócia do Koury, Lopes Advogados, foi a dosimetria das multas, que considera os atos praticados pela empresa e o valor de contratos. Nesse caso, para cada ato, há um percentual a ser aplicado. A Lei nº 12.846 diz apenas que a multa aplicada a empresas envolvidas em atos de corrupção pode variar de 0,1% a 20% do faturamento bruto do exercício anterior. Pelo decreto, se há a continuidade do ato, por exemplo, a empresa pode ser multada de 1% a 2,5% (veja abaixo). O que se aplicará, por exemplo, à companhia que paga periodicamente propina em determinado esquema. A esse ato, podem ser somados outros, chegando se ao fim ao percentual máximo de 20% sobre o faturamento.
De acordo com o decreto, o percentual isolado mais alto, de 5%, seria aplicado ao caso de reincidência em menos de cinco anos, a contar da publicação da infração anterior. Outro parâmetro determinado para o cálculo das multas é o valor do contrato. Se for de até R$ 10 milhões, aplicase multa de 1%. Caso ultrapasse R$ 1 bilhão, sobe para 5%. O decreto também prevê atenuantes que representam descontos à multa. Se a empresa comunicar à autoridade administrativa sobre o ato de corrupção antes de instalação de processo administrativo, a redução será de 2%. “A medida é relevante porque estimula a autodenúncia”, avaliam os advogados José Barreto Neto e José Alves Ribeiro, do Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli Advogados.
O advogado Giovanni Falcetta, sócio do Aidar SBZ, afirma que o decreto está mais detalhado do que se esperava e traz práticas previstas nas leis americanas e inglesas. É o caso do programa de compliance, denominado no decreto de Programa de Integridade. Segundo ele, os pilares das normas estrangeiras foram adotados, apesar de não trazer todas as possibilidades.
As medidas de compliance elencadas para possibilitar a redução da multa, porém, eram aguardadas pelas empresas de grande porte que já cumprem o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA). Uma das que mais chamam a atenção é a exigência de transparência em doações a partidos políticos. “Isso pode requerer uma política interna com regras públicas sobre quando e porque a empresa fará esse tipo de doação”, dizem Barreto e Ribeiro. Um maior rigor nos controles internos também está na lista de exigências para redução do valor das penas. “Se a empresa for rápida em demonstrar que os lançamentos contábeis refletem a realidade da operação, sem maquiagem, terá mais chances de ter uma eventual multa reduzida”, afirma a advogada Thais Folgosi Françoso, sócia do Fernandes, Figueiredo Advogados.
Thais critica apenas o fato de as várias regulamentações regionais poderem causar conflitos de competência e da empresa que fechar um acordo de leniência com a ControladoriaGeral da União (CGU) continuar a correr o risco de ser processada, assim como seus executivos na seara penal, pelo Ministério Público. Outro ponto positivo, de acordo com Giovanni Falcetta, é o fato de o decreto trazer prazo e momento em que a empresa poderá sair do Cadastro Nacional de Empresas Punidas. Com a abertura dos primeiros processos administrativos pela CGU contra mais de 20 empresas supostamente envolvidas na Operação LavaJato, começaram a surgir várias dúvidas sobre o processo administrativo. “O decreto traz mais detalhes sobre isso. Por exemplo, a comissão de apuração de responsabilidade terá um prazo para a conclusão da investigação preliminar, que não pode exceder 60 dias, prorrogáveis mediante solicitação justificada pela presidente da comissão. Antes só havia o prazo de 180 dias para a conclusão do relatório final”, afirma Claudia Bonelli, sócia integrante do grupo de compliance do TozziniFreire Advogados. O professor da FGV Direito São Paulo e procurador da República, Rodrigo De Grandis, afirma que, em uma análise ampla, o decreto é positivo, principamente em relação ao detalhamento do programa de integração. Ele acredita, porém, que a lei só funcionará bem se a CGU tiver instrumentos técnicos e humanos necessários para desenvolver esse trabalho.
Fonte: Valor