Depois de gastos essenciais, vai restar um bolso vazio Por Luciana Seabra



A cada trimestre a consultoria Nielsen pergunta a consumidores o que pretendem fazer com o dinheiro que sobra depois de cobertas as despesas essenciais. Vão comprar roupas, brinquedos tecnológicos, pagar dívidas, investir em ações? Os entrevistados marcam quantos itens quiserem. Na última sondagem, a recorrência de uma resposta chama a atenção: não sobra dinheiro. Em um ano, a parcela dos que dizem que o orçamento acaba nos gastos obrigatórios saltou de 12% para 17%. A média global é de 13%.

Os dados brasileiros levantados pela Nielsen, divulgados com exclusividade para o Valor, mostram, em contrapartida, um recuo nas intenções de gastos discricionários, ou seja, não essenciais. Entre a sondagem realizada no último trimestre de 2013 e no mesmo período de 2014, a parcela dos que pretendem promover melhorias no lar encolheu 7 pontos percentuais, a dos que pensam em comprar roupas novas, 5, e a dos potenciais consumidores de novas tecnologias, 4.

“O baixo crescimento, a preocupação com relação ao emprego, o endividamento e principalmente a inflação criam um cenário mais difícil para o consumidor e comprometem a intenção de gastos”, diz Arlete Correa, gerente de atendimento a clientes da Nielsen.

A consultoria acompanha 137 categorias de consumo, como higiene, limpeza, alimentos e bebidas. O volume consumido desses itens ainda cresce, diz Arlete, mas o consumidor tem rebolado para conseguir manter a cesta de compras que conquistou nos últimos anos. Ele é cada vez mais atraído por promoções, embalagens menores e canais de compra alternativos, como o chamado “atacarejo”, com preços em geral mais baixos do que nos hipermercados. “Continua a busca por manter o bem­estar adquirido, lançando mão de tudo que é possível para que caiba no orçamento”, afirma.

O estudo da Nielsen mostra que um luxo de que o consumidor não está disposto a abrir mão é o entretenimento fora de casa. O quesito ocupa a liderança das intenções de gastos do consumidor, apontado por 39% deles, dois pontos percentuais a mais do que um ano atrás.

A intenção de pagar dívidas recuou um pouco, mas aparece ainda em segundo lugar no rol de intenções. Ao longo dos últimos anos, aponta Arlete, o consumidor médio adquiriu dívidas de longo prazo, como automóveis e imóveis, de tal forma que a liberação da renda comprometida não deve ser algo a ser esperado no curto prazo. Na divisão do orçamento, também vão faltar recursos para a poupança. A intenção de destinar recursos excedentes à caderneta passou de 15% para 11%. O dado está em sintonia com os números do Banco Central (BC) referentes à captação da poupança. Os saques superaram as entradas em R$ 5,5 bilhões em janeiro, maior saída líquida mensal da série histórica, iniciada em janeiro de 1995. Já a intenção de investir em fundos e ações cresceu um pouco, de 13% para 15%, e a de fazer previdência também, de 6% para 7%.

Os planos para o orçamento também refletem um consumidor menos confiante. Na medição trimestral, o índice de confiança brasileiro perdeu seis pontos e chegou a 95, abandonando a zona dos países com nota superior a 100, considerados otimistas. O país ficou também abaixo da média global, em 96 pontos. Foi o maior declínio trimestral brasileiro desde 2011 e a primeira vez desde então que o Brasil perdeu o reinado de confiança na América Latina. Naquele momento e novamente no quarto trimestre de 2014, os peruanos ultrapassaram os brasileiros.

No relatório global referente à pesquisa, a equipe de pesquisadores da Nielsen considera que, provavelmente, os relatos de corrupção na Petrobras e a queda acentuada nos preços do petróleo contribuiram ainda mais para a incerteza de mercado e o sentimento do consumidor. Quando questionados se o país está em recessão, os brasileiros também se destacaram negativamente ­ 73% disseram que sim no quarto trimestre de 2014, contra 51% um ano antes. É o maior nível para o país desde que a Nielsen começou a apurar o sentimento, em 2008.

O país está na contramão global, em que 58% dos 60 mercados medidos pela consultoria reportaram uma melhora anual no sentimento relacionado a recessão. A parcela dos que veem crescimento negativo caiu 16 pontos percentuais nos Estados Unidos, por exemplo. Na lista das principais preocupações para os próximos seis meses, a economia lidera, com 16%. Depois vem a  saúde, com 14%, e o equilíbrio entre trabalho e vida, com 10%. O aumento das contas de energia e gás aparece em quarto na lista de 19 itens, seguido pela alta nos preços dos alimentos e pela segurança no trabalho.

A inflação é um ponto chave nesse cenário, na opinião de Arlete. Um espírito mais positivo por parte do consumidor deve surgir, diz, se a equipe econômica demonstrar capacidade de controlar o nível de preços.  A pesquisa da Nielsen é feita pela internet, o que, ao mesmo tempo em que permite o alcance de 60 países, pode ter um viés, já que oferece uma perspectiva dos hábitos dos usuários de internet. Em países em desenvolvimento, pondera a consultoria, os entrevistados podem ser mais jovens e afluentes do que a população em geral.

Fonte: Valor Econômico

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