Por Fábio Tofic Simantob
Sancionada em 12 de janeiro, a Lei nº 13.254, que dispõe sobre regularização de bens e valores ilicitamente mantidos no exterior, provoca impressões contraditórias. Ao mesmo tempo em que alimenta a esperança dos que desejam legalizar recursos recebidos de forma lícita no país, mas enviados por razões das mais variadas ao exterior, empolgando também setores do governo, que esperam obter com a arrecadação extra um incremento nas contas públicas, a anistia corre o risco de fracassar por falta de clareza do texto legal sancionado pela presidente Dilma. Diferente de uma anistia absoluta ampla, geral e irrestrita a anistia condicional, ou parcial, depende de que o sujeito beneficiado cumpra algumas condições para ter direito ao benefício.
Assim, o sucesso de um programa como este depende de o cidadão poder confiar que, satisfeitas estas exigências, o Estado tomará imediatamente as providências para livrá-lo do risco de sanções penais e administrativas. Só que esta confiança não decorre de mera profissão de fé, mas do maior ou menor grau de segurança jurídica que emana da lei. Trocando em miúdos, o contribuinte precisa confiar que, ao declarar a conta fora do país, não será investigado por isso, e caso já responda a algum processo criminal, ter a certeza de que a adesão ao programa implicará a imediata extinção de sua punibilidade.
O contribuinte precisa confiar que não será investigado e se já responde a processo, ter certeza de que a adesão extinguirá a punibilidade O texto sancionado, porém, não afiança nem uma coisa nem outra, não pelo menos com a contundência e clareza necessárias para granjear a confiança do contribuinte.
Primeiro, porque ao vetar o inciso I do § 5º do artigo 1º, a presidente Dilma manifestou a intenção de que, não só as condenações transitadas em julgado, mas toda e qualquer condenação seja excluída do programa. Provoca estranheza a colocação de um marco processual como condição de adesão ao programa, na medida em que, como já ensinava Hungria, a anistia pode vir a qualquer tempo, seja para excluir o processo, seja para invalidar a pena dele decorrente. De todo modo, o veto presidencial acaba sendo inócuo, por ter sido mantido intacto o artigo 5º, §2º, II, de acordo com o qual “a extinção da punibilidade ocorrerá se o cumprimento das condições se der antes do trânsito em julgado”. Nesse ponto específico, as regras de interpretação e lógica jurídica parecem indicar que a parte da lei que conseguiu escapar ilesa da canetada presidencial, por ser mais expressa e taxativa, sobrepõe-se ao artigo amputado pelo veto. Na verdade, até por força do princípio do favor rei, eventual contradição entre dispositivos do mesmo diploma resolver-se-ia a favor do réu, ou seja, prevalecendo a norma que permite a adesão inclusive a réus condenados, excluídas apenas as condenações com trânsito em julgado.
Vale notar, no entanto, que mesmo oferecendo boas chances de interpretação favorável ao contribuinte, a antinomia gera insegurança, e acaba frustrando em alguma medida a confiança na lei. Mas o ponto onde a insegurança se mostra mais grave é quanto aos critérios que serão usados para definir a origem lícita dos valores, condição necessária para que a adesão ao programa gere os efeitos penais e tributários almejados pelo contribuinte. Como alguém que mantém valores no exterior há anos, ou até mesmo décadas, vai conseguir comprovar tanto tempo depois que os auferiu de forma lícita, ou seja, por meio de atividade econômica permitida em lei? Qual o nível de prova que a receita vai exigir para aprovar a adesão ao programa?
Vai se contentar com a mera declaração do contribuinte neste sentido, ou vai empreender algum tipo de apuração para buscar confirmá-la? Esta incerteza cria certa inibição no contribuinte que, com receio de não conseguir comprovar a origem dos valores, e ainda de correr o risco de sofrer investigação por conta da informação prestada, pode acabar desistindo até mesmo de tentar o benefício. Sim, embora o espírito da lei seja proibir que a declaração possa ser usada por si só para encetar investigação contra o contribuinte, existem exceções à regra, como a que prevê que o contribuinte que apresentar declaração falsa será excluído do programa e, neste caso, serlheão cobrados os valores equivalentes aos tributos, multas e juros incidentes, sujeitandoo ainda à aplicação das penalidades cíveis, penais e administrativas.
O que será considerado como declaração falsa? Entrará nessa categoria aquela declaração de origem lícita que não pode ser comprovada a contento? Se for assim, a adesão ao programa pode acabar representando uma grande aventura, na qual poucos se sentirão encorajados a se lançar. A esperança é que, ao regulamentála, o Poder Executivo consiga resolver as dúvidas, criando um procedimento claro, certo e objetivo, com pouca margem a divagações interpretativas, fornecendo ao contribuinte a segurança necessária para que possa destemidamente aderir ao programa.
Se isto acontecer, os benefícios para o país serão bem mais alvissareiros.
Fábio Tofic Simantob é advogado criminalista, sócio do Tofic Simantob Advogados, vice-presidente do IDDD e diretor do IBCCrim Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte: Valor