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Bernard Appy
28 Setembro 2015 | 03h 00
O título deste artigo não se refere apenas ao governo e ao Parlamento, mas também às empresas, aos movimentos sociais, aos governadores e prefeitos, às entidades de classe e às pessoas em geral.
A crise que estamos atravessando não é apenas conjuntural. Ela tem também razões estruturais, que se refletem no baixo crescimento da produtividade e numa trajetória insustentável de expansão das despesas públicas. Se esses problemas não forem enfrentados, o Brasil terá um crescimento medíocre mesmo depois de vencida a fase aguda da crise, dificultando a superação do atual ambiente de grande tensão social e política.
O enfrentamento dos problemas estruturais do Brasil contribuiria enormemente, também, para a superação da atual crise. A perspectiva de reversão da trajetória de crescimento explosivo das despesas públicas e de correção de distorções que reduzem a produtividade do País teria um efeito duplamente positivo. Por um lado, o risco de um aumento descontrolado da dívida pública seria significativamente reduzido, levando a uma diminuição das taxas de juros de longo prazo e a uma grande melhora das expectativas. Por outro lado, a recuperação da confiança favoreceria a rápida retomada dos investimentos, beneficiando o crescimento econômico já no curto prazo.
O ajuste das contas públicas é essencial neste momento, mas adotar medidas de elevação de receitas e corte de despesas sem enfrentar os problemas estruturais aumenta muito o custo do ajuste, levando a uma forte contração da produção e do emprego.
Ao longo deste ano o governo tomou algumas medidas de caráter estrutural. Quanto às despesas públicas, foram propostos alguns ajustes nas regras de concessão das pensões por morte, do seguro-desemprego e do abono salarial, que foram aprovados, de forma desidratada, pelo Congresso Nacional. Já no que diz respeito a medidas voltadas para o aumento da produtividade, os principais projetos do governo são a reforma do ICMS, que visa a disciplinar o fim da guerra fiscal, e a anunciada reforma do PIS/Cofins. Adicionalmente, o governo está discutindo com o Parlamento a chamada “Agenda Brasil”, que é um conjunto de medidas que tratam de problemas pontuais – em sua maioria, relacionados à gestão fiscal.
Essas medidas são importantes, mas são claramente insuficientes diante do tamanho dos problemas estruturais do País. No entanto, mesmo esse conjunto restrito de medidas vem enfrentando fortes resistências.
Os movimentos sociais, por exemplo, resistem enormemente à revisão dos critérios de concessão dos benefícios previdenciários e assistenciais, mesmo sabendo que, mantidas as regras atuais, esses benefícios são impagáveis no longo prazo (porque a população está envelhecendo rapidamente e porque a vinculação de boa parte desses benefícios ao salário mínimo eleva seu custo de forma significativa ao longo do tempo). Pelo contrário, sua atuação no período recente vem sendo no sentido de aumentar ainda mais o custo desses benefícios, por meio da criação de um sistema que permite a aposentadoria em idades baixas (desde que a soma da idade e do tempo de contribuição atinja determinado valor) sem a aplicação do fator previdenciário.
O Brasil pode ter um sistema de proteção social abrangente, mas tem de entender que, se insistir em manter os benefícios em sua forma atual, chegará a um ponto em que não apenas as regras de concessão dos benefícios terão de ser revistas, mas o próprio valor dos benefícios já concedidos terá de ser reduzido, com um custo social muito mais elevado.
Por outro lado, há uma grande resistência às mudanças no PIS/Cofins, que – se efetivamente corresponderem ao que o governo vem anunciando – terão um efeito muito positivo sobre a produtividade e o crescimento do Brasil. No entanto, como a reforma do PIS/Cofins implica uma mudança de preços relativos, vários setores vêm se posicionando contra a alteração, apegando-se de forma tacanha a uma situação distorcida, em que alguns são beneficiados em detrimento da grande maioria.
De modo semelhante, a reforma do ICMS vem enfrentando resistência de vários governadores, que se deve, em parte, à dificuldade da União de garantir recursos para viabilizar a transição. O ponto é que a mudança proposta não apenas contribui para um funcionamento mais eficiente da economia e para reduzir a insegurança jurídica que está prejudicando os investimentos, como aumenta a receita do conjunto dos Estados. Com um esforço de coordenação, certamente seria possível encontrar uma solução em que nenhum Estado seria prejudicado e em que o Brasil como um todo sairia ganhando.
Neste cenário proliferam soluções “mágicas”, que buscam resolver os problemas de forma simplista, muitas vezes agravando as distorções. Este é o caso, por exemplo, da reforma do Simples, em discussão no Congresso, que amplia o sistema atual, sem entender que o modelo atual do Simples é altamente distorcivo, gera grandes iniquidades e prejudica de forma relevante o crescimento do País.
Se o Brasil quiser sair da crise e criar condições para crescer de forma sustentável, necessariamente vai ter de enfrentar as grandes distorções estruturais que impedem um ajuste consistente das contas públicas e o crescimento da produtividade.
É claro que a atual crise política dificulta a busca de soluções. Mas este é exatamente o momento de pensar grande. Se o governo não ampliar sua agenda de reformas estruturais e se os diversos agentes sociais resistirem a sair de sua zona de conforto (em que têm algumas vantagens, mas em que todos saem perdendo), então, com certeza, a crise política e econômica se aprofundará ainda mais.
BERNARD APPY DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL, FOI SECRETÁRIO EXECUTIVO E SECRETÁRIO DE POLÍTICA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA
Fonte: Estadão
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