É preciso rever o conceito clássico de acordos comerciais

Competitividade é hoje palavra chave para a retomada do crescimento no Brasil. Bem sabemos que as deficiências na infraestrutura e os fatores inibidores dos investimentos não serão alterados da noite para o dia. As necessárias reformas estruturais, ainda que iniciadas no primeiro dia do governo a ser eleito em outubro, levarão muito tempo para significar um salto qualitativo para a crise de competitividade de nossos produtos. A produtividade industrial está caindo assustadoramente com um mercado interno que perde seu vigor em um quadro de retração da economia.
Do lado externo, a balança comercial está conseguindo se manter em um patamar razoável graças às exportações de produtos primários, já tidos como a locomotiva da economia. Mas, no caso dos manufaturados, as perspectivas são sombrias: a grande defasagem de competitividade nos confina a poucos compradores, sobretudo na América do Sul. A Argentina, nosso maior cliente, às voltas com sua pertinaz crise cambial, imporá ainda maiores barreiras comerciais, sempre na desesperada tentativa de poupar divisas. O país vizinho não se vexará – ante o Brasil, seu parceiro estratégico no Mercosul – em continuar substituindo as importações brasileiras por produtos chineses, agora turbinados com financiamentos bilionários prometidos pelo presidente Xi Jinping da China, em sua recente visita a Buenos Aires.
Neste cenário nada alentador, é preciso o quanto antes estabelecer acordos de livre comércio. Já desperdiçamos demasiado tempo e energia em criticar o que fizemos e o que deixamos de fazer em matéria de negociação comercial. De nada serve continuar essa polêmica estéril. Os mercados mundiais não nos estão esperando. É preciso discutir o que realmente importa para podermos vislumbrar um horizonte mais auspicioso para a inserção de nossa produção e economia na produtividade global.

Essa necessidade premente não passou despercebida na campanha eleitoral. Há consenso de que o Brasil não pode apostar apenas no multilateralismo da OMC e continuar de fora da rede de acordos comerciais que estão se disseminando pelo mundo e conformando as cadeias de valor e a integração da produção global. Mas, até agora, pouco tem-se debatido sobre como os acordos de livre comércio poderão servir para efetivamente ampliar as exportações de manufaturados, alavancando nossa competitividade. Persiste infelizmente uma percepção simplória de que para lograr as benesses da competitividade bastará abrir mercados.
Hoje os principais “players” do comércio internacional, que são nossos concorrentes e também potenciais clientes, estão pautando as negociações comerciais sobre a base de modelos negociadores mais pragmáticos e ambiciosos, que vão muito além do conceito clássico de acesso a mercados, aferrado aos calendários de desgravação tarifária e à mera consolidação das práticas regulatórias vigentes.
A relação custo-benefício que orienta hoje as negociações comerciais contempla necessariamente demandas e ofertas em regras. Isso significa que as concessões – como na área de agricultura – que esperamos obter de nossos parceiros mais importantes somente serão oferecidas na medida em que estejamos dispostos a mostrar flexibilidade em regras. Não se trata de incorporar os padrões normativos dos modelos negociadores das grandes economias. Trata-se de definir aquelas normas que seriam de nosso interesse ofensivo fazer constar nos acordos de comércio que viermos a estabelecer.
Precisamos reconhecer que, no mundo de hoje, nosso arcabouço jurídico nem sempre atende aos interesses comerciais vitais do Brasil voltados a lograr a inserção competitiva nos mercados mundiais. Na era do “Skype”, por exemplo, a Lei Geral de Telecomunicações ainda proíbe acesso ao nosso mercado às empresas estrangeiras que não tenham presença comercial no país, o que restringe naturalmente a plena participação do Brasil nos mercados internacionais de serviços de telecomunicações.
Muitos atribuem o imobilismo do processo negociador Mercosul-União Europeia às supostas “amarras” do Mercosul ou ao protecionismo da Argentina. Mas não terá a União Europeia percebido, a essa altura, que uma oferta do Mercosul calcada em liberalização tarifária já não compensaria as concessões que teria de fazer em agricultura? Na realidade, a União Europeia é que tem demonstrado ultimamente menor empenho em trocar ofertas conosco. E pior: justificou sua postura reticente ao fato de que se encontrava muito envolvida com as demais negociações comerciais, dentre as quais a negociação com os EUA.
Da mesma forma, a incapacidade da OMC de lograr o consenso necessário para negociar regras também poderia explicar a razão pela qual a Organização não consegue, desde 2001 com o lançamento da Rodada Doha, chegar a um acordo significativo. Enquanto não formos capazes de negociar, em Genebra, um disciplinamento multilateral mais abrangente e compatível com o nível de ambição dos acordos bilaterais e regionais modernos, será irrealista pretender destravar o processo negociador da Rodada.
Os tempos mudaram. O novo governo que assume em janeiro precisa reformular o modelo negociador brasileiro, buscando obter para nossos futuros acordos de comércio uma dimensão estratégica e moderna, com padrões globais e de vanguarda. Precisa passar a aceitar a discussão de dispositivos regulatórios convergentes com os de nossos parceiros comerciais nas áreas de maior interesse negociador, como serviços, investimentos, propriedade intelectual, políticas governamentais e políticas de concorrência. A convergência de padrões regulatórios é condição para que qualquer parceria possa contar com um ambiente de negócio seguro, previsível e produtivo.
Só assim estaremos capacitados a abrir espaços para os investimentos produtivos que possam fomentar a tecnologia e a inovação, criando escala, produtividade e assegurando nossa competitividade nos mercados mundiais.


Fonte: Valor Econômico

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