Especialista fala sobre a importância do protetor solar

O químico Sérgio Oliveira é um dos maiores especialistas do Brasil em protetor solar. Ele é mestre em engenharia biomédica com ênfase em fotobiologia e lidera a delegação científica brasileira que atua na padronização de métodos de pesquisa e desenvolvimento de protetores solares na International Organization for Standardization (ISO), principal entidade mundial dedicada à normatização desses procedimentos.

Sérgio Oliveira, foto DivulgaçãoNesta entrevista, Sérgio Oliveira esclarece algumas das questões mais relevantes relacionadas com o uso de protetor solar e a avaliação da eficácia desse tipo de produto por meio de métodos científicos. Ele diz, por exemplo, que:

·         Utilizar protetor solar regularmente na infância e na adolescência reduz em 78% a incidência de alguns tipos de câncer na vida adulta.

·         O uso regular do produto ao longo da vida diminui em 50% o risco do tipo mais grave de câncer, o melanoma.

·         As normas internacionais para avaliar o Fator de Proteção Solar (FPS), relacionado com os raios UVB, e o Fator de Proteção UVA (FPUVA) dos produtos são extremamente rigorosas. Para avaliar a eficácia do FPS, por exemplo, são necessários testes de exposição aos raios ultravioleta com e sem o produto em pelo menos 10 pessoas.

·         A ISO está aprimorando ainda mais suas normas para reduzir possíveis variações nos resultados encontrados por diferentes laboratórios.

·         No Brasil, a ANVISA tem um papel fundamental para assegurar não apenas a qualidade dos protetores solares, mas também as metodologias adotadas para avaliar esses produtos.

O especialista é também coordenador do Comitê Científico Brasileiro de Proteção Solar na Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC) e membro do Conselho Científico-Tecnológico do Instituto de Tecnologia e Estudos de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ITEHPEC). Ele será um dos palestrantes do 3º Workshop ITEHPEC de Fotoproteção, que acontece em 20 de março (para mais informações, clique aqui). Sérgio Oliveira é também diretor associado e fellow de P&D da Johnson & Johnson Brasil. Confira a entrevista:

ABIHPEC: Por que os brasileiros devem prestar especial atenção ao uso de protetor solar?

Sérgio Oliveira: O Brasil é um país com altíssima exposição anual ao sol. Devido à sua posição geográfica e vasta extensão em região equatorial, os índices brasileiros de radiação ultravioleta (R-UV) mantêm-se elevados em todo o país na maioria dos dias do ano. Existe a crença de que o “sol é mais forte” na praia e nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Podemos dizer que, em média, o Nordeste tem mais disponibilidade de R-UV; entretanto, é no Sudeste, durante o verão, que são observados os recordes de R-UV. A radiação solar que atinge a cidade pode ser a mesma que incide nas praias. Por outro lado, não há tanta preocupação da população com a proteção solar nestes ambientes urbanos, como a adoção de medidas preventivas na rotina de cuidados com a pele, o que é preocupante, tendo em vista que 80% da população do Brasil reside nas cidades. Especial atenção deve ser dada às crianças, que estão expostas ao sol em vários momentos do dia, em casa e na escola, ou mesmo nos percursos até esses locais.

Se considerarmos, por exemplo, a rotina de um ambiente urbano, temos que 84% das pessoas se expõem a caminho do trabalho e da escola e 46% se expõem nas atividades ao ar livre, em parques e ruas, caminhadas e práticas de esportes. Já os trabalhos ao ar livre representam a principal causa de exposição para 21% da população total. Todos os dias, crianças vão e voltam das escolas, frequentam o recreio e as aulas de educação física em muitas áreas ainda sem cobertura, profissionais de inúmeras categorias se deslocam para seus locais de trabalho, para o almoço, ou realizam trabalhos ao ar livre, sendo expostos várias horas ao sol. Como exemplo podemos citar os feirantes, artesãos, ambulantes, catadores, dog walkers, promotores, entregadores de materiais publicitários, vigilantes, carteiros, fiscais, profissionais de limpeza e manutenção urbana, funcionários de obras e construções, entre tantos outros profissionais.

O câncer de pele é o tipo de maior incidência no Brasil, o que representa mais do que o triplo do segundo câncer mais diagnosticado no país – o de próstata. Em 2016, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a estimativa de novos casos de câncer de pele foi de 176 mil; sendo o melanoma o tipo mais perigoso de câncer de pele, responsável pelas maiores taxas de óbito por câncer entre jovens adultos.

A maioria desses casos poderia ser evitada com medidas simples de prevenção. No entanto, as estimativas do INCA e levantamos promovidos pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) mostram que os brasileiros não se previnem adequadamente da doença. Por exemplo, 67% não percebem a relevância do uso do protetor solar. E mesmo entre os que o usam, a fotoproteção é majoritariamente sazonal, recreativa, com finalidade estética e feita em quantidade e frequência insuficientes para a proteção efetiva. Assim, é importantíssimo observar que a preocupação deve existir não apenas nos ambientes e momentos recreacionais, mas também em ambientes urbanos, nas atividades cotidianas.

O que se sabe sobre a relação entre o uso continuado de protetor solar e a redução da incidência de câncer de pele?

Estudos mostram que a incidência de câncer de pele não melanoma pode ser reduzida em 78% com o uso regular de fotoprotetores durante os 18 primeiros anos de vida; a exposição solar desprotegida antes dos 18 anos é responsável por 50% a 80% dos danos da exposição acumulada à R-UV na vida de um indivíduo. Isso porque crianças ficam expostas ao sol, em média, três vezes mais que os adultos.

Hoje, nos casos de incidência de melanoma, o mais preocupante tipo de câncer de pele, temos evidências contundentes, estudos disponíveis que comprovam importantes reduções de sua incidência. Um estudo australiano reporta uma redução de 50% na incidência de melanoma pela simples utilização contínua de protetor solar.

Tais pesquisas alertam para que os pais protejam seus filhos, pois indivíduos que têm mais queimaduras causadas pela exposição ao sol na infância apresentam incidência significativamente maior de melanoma na fase adulta.

É importante observar que a efetividade do protetor solar está diretamente relacionada à sua adequada utilização em relação à quantidade e frequência. Ao se utilizar o produto, deve haver uma aplicação generosa sobre a pele – para um adulto médio, a quantidade de aproximadamente 35g deve ser utilizada para uma aplicação. E para garantir uma proteção adequada durante todo o tempo de exposição ao sol, sua reaplicação é de suma importância – recomenda-se a reaplicação do produto pelo menos a cada duas horas ou após sudorese intensa ou um banho de mar ou piscina, ou mesmo após sua remoção física com toalha ou papel, por exemplo.

Quais são os principais métodos científicos utilizados internacionalmente para avaliar a eficiência de um protetor solar?

Quando falamos sobre eficiência de protetor solar em atenuar os raios nocivos do sol, há dois principais conceitos que levamos em consideração: o primeiro é o Fator de Proteção Solar (FPS), que diz respeito à efetividade da proteção predominantemente na região do UVB (290 a 320nm); o segundo é o Fator de Proteção UVA (FPUVA), que está relacionado à efetividade da proteção na região do UVA (320 a 400nm).  Para cada um desses conceitos existem métodos específicos, aplicados internacionalmente. Cada um deles é baseado na resposta da pele à exposição ao ultravioleta (UV) até a formação de um mínimo sinal biológico em resposta à exposição. No caso do FPS, se utiliza a vermelhidão (eritema, definido como DME – dose mínima eritematosa) como indicador do dano e no caso do FPUVA, a pigmentação persistente (DMP – dose mínima pigmentária).

Por definição, o FPS é o valor obtido pela razão entre a dose mínima eritematosa em uma pele protegida por um protetor solar (DMEp) e a dose mínima eritematosa na mesma pele quando desprotegida (DMEnp). Analogamente, o FPUVA é o valor obtido pela razão entre a dose mínima pigmentária em uma pele protegida por um protetor solar (DMPp) e a dose mínima pigmentária na mesma pele, quando desprotegida (DMPnp).  De uma forma direta, ambos os fatores representam quantas vezes mais a pele está protegida com o produto aplicado, comparando-se com uma situação onde nenhum produto é aplicado.

Os métodos para a determinação do FPS e o FPUVA são baseados em procedimentos in vivo, ou seja, estudos clínicos realizados em humanos com pelo menos 10 resultados válidos, em 10 diferentes sujeitos. Porém, apenas para o caso do FPUVA, também temos uma metodologia in vitro baseada em espectroscopia de transmitância validada para a mesma determinação. É importante ressaltar que não há qualquer metodologia in vitro validada internacionalmente para a determinação do FPS.

Além das metodologias citadas, temos outros métodos amplamente utilizados internacionalmente na avaliação da qualidade da proteção solar. São eles: o comprimento de onda crítico (CW) e a resistência à água (WR). O CW é uma metodologia in vitro capaz de avaliar quão amplo é o espectro de proteção de um produto e é muito comum utilizá-lo conjuntamente com a determinação do FPUVA para avaliar a qualidade da proteção ao UVA. No método para WR, o FPS de um produto é definido após um período de imersão em água, onde o sujeito da pesquisa recebe a aplicação do produto e mantém a área aplicada submersa em água sob condições e procedimentos padronizados e então se efetua a determinação do FPS após a imersão. Com relação ao método para WR, são apenas válidos os métodos in vivo reconhecidos internacionalmente; não são aceitos métodos in vitro para essa finalidade.

Os métodos apontados acima são os mais amplamente utilizados internacionalmente. Os procedimentos e princípios adotados pelos diferentes organismos de origem, FDA, COLIPA, ISO, entre outros, são muito similares. As principais diferenças entre os países ocorrem no que se refere a critérios regulatórios, por exemplo, valores de FPS permitidos nos rótulos, máximo FPS permitido, critérios para resistência à água etc.

Os métodos de avaliação de protetores solares estão bem estabelecidos no âmbito da International Organization for Standardization (ISO), principal entidade internacional de padronização científica?

Dentro das realizações da ISO em proteção solar, já dispomos hoje de importantes métodos consolidados como padrões internacionais. São eles:

·         ISO 24442 – Sun protection test methods – In vivo determination of sunscreen UVA protection, de 2011;

·         ISO 24443 – Sun protection test methods – In vitro determination of sunscreen UVA protection, de 2012

·         ISO 24444 – Sun protection test methods – In vivo determination of the sun protection factor (SPF), de 2010.

Tais metodologias foram estabelecidas com base em importantes trabalhos executados previamente por instituições amplamente reconhecidas globalmente, como FDA, COLIPA, JCIA, entre outros. Para o estabelecimento das normas ISO, foram consideradas contribuições atuais de experts internacionais que compõem os grupos de trabalho para protetores solares dentro da ISO. Entre as importantes contribuições, podemos citar as atualizações de valores dos padrões de referência utilizados nas metodologias, com base em dados recentes coletados em todo o mundo. Nesse sentido, vale destacar que o Brasil tem exercido um papel cada vez mais importante dentro da ISO. Temos contribuído ativamente para o desenvolvimento dos trabalhos desde o início da formação dos grupos em proteção solar.

Mas ainda há muito trabalho a ser feito nos outros temas já matriculados, como, por exemplo, estabelecer o método para determinação da resistência à água, estudar a viabilidade de método in vitro para a determinação de FPS e desenvolver projetos de metodologias alternativas aplicadas a avaliação de protetores solares.

Também nesse contexto, devemos mencionar o papel fundamental das entidades de classe, como a ABIHPEC e o ITEHPEC, suportando e auxiliando as empresas em questões governamentais relacionadas às boas práticas, assuntos regulatórios e formação de massa crítica no país. O ITEHPEC, como braço de inovação da ABHIPEC, tem desenvolvido um trabalho importante como a promoção de workshops que alavancam a formação técnica e proporcionam importantes oportunidades de networking para os profissionais, a exemplo do 3º Workshop de Fotoproteção, que acontece no dia 20 de março de 2017. Nesse workshop serão apresentados importantes temas, desde dados climatológicos do país e como esses estão relacionados aos aspectos da proteção solar, até os recentes avanços e trabalhos atuais relacionados às metodologias para avaliação da eficácia de protetores solares, incluindo a ISO e iniciativas independentes.

É imperativo desenvolver cada vez mais uma massa crítica significativa no País. Trata-se de um assunto de altíssima relevância para a saúde pública, considerando os pontos que mencionamos anteriormente; sem falar da grande importância do tema para nossa economia. Daí a importância de iniciativas como a do ITEHPEC. O Brasil representa hoje um dos principais mercados do mundo em sun care, com uma projeção de crescimento, até 2019, estimada em 6,6% ao ano.

Há consenso em torno desses métodos ou ainda existem importantes pontos de divergência em relação a eles entre os especialistas?

O cenário atual é bastante interessante no sentido de que muitas discussões importantes sobre os métodos atualmente empregados estão em andamento. Vale ressaltar o importante trabalho da ISO na manutenção das revisões de seus padrões internacionais, que obedecem uma revisão sistemática a cada 5 anos. Melhorias contínuas devem ser buscadas e incorporadas às metodologias aplicadas.

Exatamente neste ano, estamos trabalhando dentro da ISO na revisão das três metodologias citadas: a ISO 24442 para determinação do FPUVA in vivo; a ISO 24443 para determinação do FPUVA in vitro; e a ISO 24444 para determinação do FPS in vivo. Importantes avanços nos procedimentos estão sendo incorporados às metodologias, como uma melhor definição do sinal biológico utilizado no teste de FPS, a Dose Mínima Eritematosa (DME). As melhorias visam uma maior homogeneidade nos procedimentos adotados por diferentes laboratórios, o que ajudará a reduzir possíveis variações nos resultados encontrados. Na realidade, há uma série de pontos que precisam ser alinhados internacionalmente para chegarmos a um consenso e então termos normas que de fato serão utilizadas globalmente, levando-se em consideração informações alimentadas e discutidas com representantes de todo o mundo.

Outro exemplo importante é sobre a definição e critérios para inclusão dos voluntários empregados nos estudos clínicos para se determinar a eficácia dos protetores solares. Estamos buscando definição de limites claros a partir de critérios objetivos relacionados às características da pele das pessoas em todo o mundo. Exemplos como esse são muitas vezes passíveis de extensa discussão, demandando a geração de dados importantes, contudo representam uma ótima estratégia na busca de normas internacionais cada vez mais robustas.

Quem avalia a qualidade dos protetores solares vendidos no Brasil? Como essa avaliação é feita? Na sua opinião, essa avaliação garante a qualidade dos produtos disponíveis hoje aos consumidores?

A ANVISA é o órgão que regulamenta e fiscaliza a comercialização de produtos protetores solares no Brasil. Existem definições e critérios bem definidos nas metodologias referenciadas pela ANVISA que regem como avaliar a qualidade dos protetores solares quanto à sua eficácia, sendo de extrema importância haver uma qualificação técnica específica para a adequada execução dessas metodologias.

Apenas para exemplificar a importância dessa qualificação, principalmente com relação às metodologias que empregam estudos clínicos, ou seja, os métodos in vivo, hoje já existem instituições estabelecidas especificamente com a finalidade de certificação técnica de laboratórios que prestam esse tipo de serviço, seja por meio de estudos interlaboratoriais ou por meio de um processo de avaliação detalhada da qualidade dos procedimentos e das técnicas de execução.

Nos casos dessas avaliações empregando estudos clínicos, no Brasil temos bons laboratórios qualificados para esse fim, que prezam pela aplicação de boas práticas clínicas e laboratoriais.

Considerando o que a ciência já sabe sobre os efeitos nocivos dos raios solares sobre a pele e os hábitos dos brasileiros em relação ao sol e ao uso de protetor solar, na sua opinião, quais deveriam ser os focos principais das campanhas de informação ao público em geral?

Como vimos anteriormente, os cuidados na fase da vida entre a infância e a adolescência é de grande relevância para se minimizar os danos causados em função da exposição solar e os riscos de desenvolvimento de câncer de pele.

Entre os principais aprendizados a partir de iniciativas bem-sucedidas de prevenção em outros países, está a centralidade da criança nas estratégias de educação em saúde. Desta forma, programas de educação e conscientização da necessidade do uso de protetores solares junto às crianças e adolescentes são um dos primeiros passos para a mudança de hábitos de toda a família e toda a sociedade.

Quanto aos hábitos de proteção, no contexto urbano as áreas descobertas do corpo que tendem a ficar mais expostas e, assim, devem receber atenção especial para a aplicação de filtros solares são o rosto, a região do pescoço e colo, os ombros e os braços. A quantidade de protetor solar recomendada para cada uma destas áreas é a proporção de 1 colher de chá (de protetor solar).  Ainda sobre o protetor solar, o ideal é que:

·         Se dê preferência àqueles com elevado FPS, com proteção balanceada, ou seja, UVB e UVA;

·         Sejam aplicados generosamente, atentando para a quantidade indicada; quando utilizados incorretamente pode-se ter a falsa sensação de proteção, o que certamente não conferirá o nível de proteção adequado;

·         Sejam reaplicados pelo menos a cada duas horas ou após sudorese intensa ou imersão em água ou após remoção física com toalha ou papel por exemplo.

É importante salientar que as medidas de fotoproteção vão além do uso de fotoprotetores tópicos. Hábitos comportamentais e outros meios de fotoproteção mecânica são tão importantes quanto o protetor solar e complementam uma fotoproteção saudável e adequada, como, por exemplo:

·         O uso de óculos de sol que ofereça proteção contra as radiações UVA e UVB para os olhos, um chapéu com aba larga, para proteção do rosto, ou chapéus de aba circular, para proteção do pescoço, cabeça e nuca, orelhas e face. As roupas também oferecem níveis de proteção variados. Diferentes materiais, tramas e cores absorvem diferentes quantidades de radiação UV.

·         Os vidros também conferem diferentes níveis de proteção mecânica contra as radiações; variando de acordo com o seu tipo, transparência e a presença ou não de películas protetoras;

·         Também merece destaque a proteção complementar às radiações diretas, oferecida pelas “sombras construídas”, como coberturas, marquises, guarda-chuvas e sombrinhas, ou pelas sombras naturais das árvores.

Fonte: Estadão

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