Por Stella Fontes
A indústria farmacêutica brasileira não apenas manteve seus planos de investimento em 2015 como está ampliando o valor dos aportes em pesquisa, desenvolvimento e expansão de capacidade produtiva, a despeito da desaceleração das vendas de medicamentos no mercado doméstico. Levantamento inédito do Grupo FarmaBrasil (GFB), que reúne nove laboratórios de capital nacional, mostra que, de janeiro a maio, essas empresas investiram R$ 538,8 milhões, 52% acima do que foi desembolsado no mesmo período do ano passado.
Só em maio, os investimentos desses laboratórios ultrapassaram R$ 142 milhões, segundo o estudo. A tendência, conforme a indústria, é a de que o volume de aportes verificado no primeiro trimestre, R$ 472,7 milhões, se mantenha nos intervalos seguintes, o que levaria o total de desembolsos no ano para quase R$ 1,9 bilhão. Além do tamanho relevante do mercado brasileiro de medicamentos em 12 meses até abril, as vendas no varejo superavam R$ 69 bilhões que justifica mais investimentos, o impulso à nova rodada de crescimento foi dado sobretudo pelos projetos de desenvolvimento de drogas biotecnológicas, produzidas a partir de células vivas em processos complexos e de alto custo final.
Esses fármacos são considerados a nova fronteira da indústria global e, hoje, a demanda no país é atendida integralmente pelas importações. O desejo do governo e da indústria é transformar o país em plataforma global de remédios biológicos, com vistas também à exportação, a partir da transferência de tecnologia para alcançar produção 100% nacional. No mundo, esse mercado é estimado em mais de US$ 160 bilhões por ano. “O grosso desses investimentos é destinado a novas fábricas de anticorpos monoclonais, que representam também grande parte dos gastos do SUS [Sistema Único de Saúde]”, disse ao Valor o presidente do GFB, Reginaldo Arcuri. Esses biofármacos, usados no tratamento do câncer e de doenças autoimunes (como esclerose múltipla e lúpus), representam hoje 4% das unidades compradas pelo SUS e 40% do orçamento do sistema, segundo o executivo. Com os investimentos em curso, financiados pelas próprias empresas, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), os gastos serão reduzidos e o acesso aos tratamentos, ampliado.
Como parte do projeto que poderá colocar o país na vanguarda da indústria, a Orygen, a BioNovis e a Libbs Farmacêutica são três das empresas que estão fazendo apostas nesse segmento que partem de R$ 500 milhões. Esses desembolsos são graduais, conforme a evolução do projeto, e o valor dos investimentos apurado pelo GFB compreende também aportes em medicamentos sintéticos e fitoterápicos, destinados ao varejo farmacêutico. Fazem parte do GFB, além desses três laboratórios, Aché, Biolab, Cristália, EMS, Eurofarma e Hebron. Os biossimilares, ou cópias de medicamentos biológicos de referência cuja patente já expirou, que serão produzidos inicialmente pelas empresas do GFB custarão entre R$ 2 mil e R$ 15 mil a dose, com economia significativa frente aos preços praticados hoje.
A BioNovis, joint venture entre Aché, EMS, Hypermarcas e União Química, está investindo R$ 739 milhões para erguer uma fábrica de medicamentos biológicos em Valinhos (SP), dos quais R$ 200 milhões provenientes do caixa das sócias. De acordo com o principal executivo do laboratório, Odnir Finotti, um dos grandes atrativos do projeto reside no fato de já existir um importante comprador para os medicamentos, o Ministério da Saúde. “Existe uma política industrial. Se há um parceiro internacional que faça a transferência de tecnologia, o retorno é bastante razoável nessa primeira fase”, afirmou. No ano passado, o laboratório anunciou uma parceria com a alemã Merck para desenvolvimento, fabricação e comercialização de medicamentos biológicos, com foco principalmente em câncer, artrite reumatóide e esclerose múltipla. Na avaliação de Andrew Simpson, principal executivo da Orygen, que reúne Biolab e Eurofarma, a proposta do governo brasileiro de estimular a transferência de tecnologia por meio das chamadas Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) é “genial”.
O laboratório vai investir R$ 500 milhões na instalação de uma fábrica em São Carlos (SP) e o projeto foi viabilizado por uma parceria com a multinacional americana Pfizer. “O Brasil é o lugar para isso [investimento em medicamentos biotecnológicos]. Além do mercado interno grande, a Anvisa trabalha com padrões internacionais e uma aprovação da agência pode indicar que o medicamento será aceito em outros mercados”, afirmou Simpson. Inicialmente, a Libbs e o Cristália também faziam parte da Orygen, porém deixaram a parceria para empreender projetos próprios nessa mesma área. A Libbs, por exemplo, está investindo R$ 500 milhões, com recursos do BNDES e Finep, em uma unidade fabril de drogas biológicas em Embu das Artes (SP), onde está instalado seu complexo industrial. Desse valor, R$ 250 milhões serão aportados na fábrica e R$ 250 milhões em estudos clínicos. De acordo com a diretora de relações institucionais da farmacêutica, Márcia Martini Bueno, o potencial é grande nesse mercado, porém há desafios que transcendem a alta complexidade tecnológica das drogas biológicas. “O Brasil pode ser um grande ‘player'”, afirmou a executiva. “A concorrência entre os projetos é importante, mas é preciso ter cuidado para que essa política de incentivos não leve a uma competição acirrada em preços”, ponderou Márcia.
Fonte: Valor Econômico