Falta investimento para que experimentos com animais sejam substituídos por novos métodos

Apesar dos estudos que mostram a pouca eficiência científica do uso de experimentos com animais em todo o mundo, a difusão das tecnologias que podem substituir o modelo tradicional ainda caminha a passos lentos.

Júlia Arraes

Além dos questionamentos éticos, pesquisadores já colocam em cheque a eficiência dos experimentos feitos com animais. No entanto, existem poucos métodos reconhecidos e validados internacionalmente que sejam capazes de substituir estes, que se tornaram métodos tradicionais.

O veterinário e pesquisador britânico Andrews Knight analisou 20 estudos científicos que utilizam produtos químicos, sejam cosméticos ou medicamentos, testados em animais e observou que 11 deles apresentaram falhas e incompatibilidade quando testados em humanos.

Segundo Knight as novas tecnologias, que utilizam cultura de célula, softwares de simulação e peles artificiais têm resultados mais precisos e rápidos. O especialista acredita que a comunidade científica está começando a reconhecer as limitações desses experimentos.

O pesquisador admite, porém, que apesar de terem resultados promissores, a difusão dessas tecnologias ainda está no começo.

“A mudança que está acontecendo é: pesquisadores entenderam as limitações desses métodos com animais. A longo prazo, a eliminação dos testes será feita em mais e mais países. Não apenas no setor de cosméticos, mas também na produção de medicamentos e outros produtos químicos”, diz o pesquisador.

Entre as mais avançadas, está a chamada ”humans on a chip” ou ”organs on a chip”. A técnica consegue conectar vários tecidos e órgãos do ser humano, pois dispõe de várias culturas de células. Com isso, é possível prever a resposta do organismo a um produto químico e todas as reações que ele pode causar no corpo.
O Grupo Boticário iniciou este ano uma pesquisa para desenvolver essa tecnologia, em parceria com uma empresa alemã. O custo para desenvolver esse estudo é de um milhão e meio para e ainda não é possível estimar os valores para colocá-lo no mercado, se for aprovado.

Marcio Lorencini, gerente de pesquisa da empresa no Brasil, explica que há 16 anos o grupo realiza testes alternativos, como a pele 3D, uma reprodução automatizada de tecidos humanos que imitam a forma e a função dos tecidos originais do organismo.

“Trata-se de uma evolução nas metodologias alternativas que nós aplicamos. A partir dessa metodologia nós esperamos resultados mais confiáveis, de uma forma mais rápida”, afirma Lorencini.

As pesquisadoras Jane Zveiter e Carolina Bellini da Universidade Federal de São Paulo desenvolveram uma pesquisa em parceria com a Natura para conseguir prever alergias na pele a partir de culturas de células. O modelo foi aprovado, mas ainda não há empresas e laboratórios para oferecerem o serviço no mercado de testes.

Para Jane Zveiter, existe uma boa vontade da comunidade científica, principalmente, nas pesquisas para a área de cosméticos. Ela acredita, porém, que o uso de animais para estudos e confecção de remédios e fármacos ainda é algo que deve permanecer por algum tempo na academia.

“Você tem que ter muito mais segurança quando fala de medicamento. Mas a ideia é que você evolua, sim, para uma situação como essa. É o ponto onde todos queremos chegar, quando a gente está querendo prescindir de animais para avaliação de moléculas. Mas isso não é pra agora”, explica Jana.

Mesmo no ramo dos cosméticos, o Brasil tem um longo caminho a percorrer. Enquanto a União Europeia proibiu os testes em animais nestes tipos de produtos desde 2009, a Justiça Brasileira ainda permite tais experimentos.

Para os ativistas, ainda é preciso mais investimento para que elas sejam a primeira opção da comunidade científica e das empresas.

No Brasil, 26 laboratórios públicos e privados são ligados à Rede Nacional de Métodos Alternativos do Ministério da Ciência e Tecnologia. Os investimentos, porém, são escassos. Desde sua criação, em 2012, o Renama investiu 6 milhões de reais em pesquisas na área.

Róber Bachinski é pesquisador e ativista dos direitos dos animais e afirma que a lógica dos métodos de teste com bichos ainda persiste nos laboratórios: “Não é uma coisa difícil de ser implementada, não é algo de outro mundo. É uma mudança de como se faz a ciência. É uma outra forma de fazer ciência”.

 

A polêmica em torno dos testes realizados em animais ganhou força no Brasil no ano de 2013, após denúncias de maus-tratos em animais usados em pesquisas e testes de produtos farmacêuticos no Instituto Royal, em São Roque, no interior de São Paulo.

Depois de negociações e reuniões sem acordo, cerca de 100 ativistas quebraram o portão do Instituto, em outubro de 2013, e retiraram do local 178 beagles, sete coelhos e também ratos. A maioria dos bichos foi adotado pelos próprios ativistas.

Segundo informações da Polícia Civil de São Paulo, as investigações sobre os maus tratos foram encerradas em fevereiro de 2015, sem a comprovação da prática do crime.

Fonte/ veículo: CBN

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