Fernando Rezende, professor da FGV e especialista em reforma tributária: guerra fiscal torna o País economicamente fragmentado
A guerra fiscal que os Estados praticam entre si para atrair investimentos privados enfraquece a coesão federativa e evidencia a necessidade de o governo federal reconduzir uma política de desenvolvimento regional.
“A única saída que vislumbro é o governo federal protagonizar o debate e tornar a questão regional objeto de fato de uma nova estratégia nacional de desenvolvimento”, disse o economista Fernando Rezende, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em reforma tributária.
No seminário ‘ICMS que interessa a todos’, organizado pela Amcham-São Paulo em 17/05, Rezende destaca que o Brasil é um país “economicamente fragmentado” em função da questão tributária, e que a falta de definição sobre a padronização do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) tende a agravar a situação da indústria nacional.
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“Vamos entrar em um processo de debilitação progressiva da indústria nacional e perda da capacidade de acompanhar o ritmo de desenvolvimento dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e outros países a que estamos associados”. Veja abaixo a entrevista de Rezende ao site da Amcham:
Amcham: Que balanço o senhor faz das discussões do seminário?
Fernando Rezende: Há grande dificuldade em saber como enfrentar o futuro. O que existe hoje é um razoável entendimento entre os estados em pacificar o passado ou sancionar benefícios concedidos. Isso faz parte do reconhecimento necessário que os entes públicos envolvidos têm a fazer. Essa é uma armadilha que o Brasil tem que sair, pois faz o País perder capacidade de gerar investimentos em indústrias modernas, criar alto valor agregado e empregos de qualidade. O grande problema é como transitar dessa situação para o futuro.
Amcham: Mas que saídas o senhor enxerga para esse impasse?
Fernando Rezende: Estamos vislumbrando com clareza um embate entre os estados que querem preservar a unanimidade da concessão de novos benefícios e aqueles que acham necessário negociar incentivos em um regime mais flexível. A única saída que vislumbro é o governo federal protagonizar o debate e tornar a questão regional objeto de fato de uma nova estratégia nacional de desenvolvimento. Ela não pode ser vista como problema a ser tratado individualmente por cada estado. Isso quebra o espírito da coesão federativa, que estamos sofrendo no momento.
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Amcham: Sob que aspectos o governo federal pode tratar a questão do desenvolvimento regional?
Fernando Rezende: A questão regional é formada por um trinômio. O primeiro é que o Brasil precisa de infraestrutura moderna, sendo que atração de investimentos é fundamental para esse desenvolvimento. Mas o governo federal tem dificuldades para ampliar os investimentos, então é fundamental criar debate para integrar as ações da federação a respeito do assunto. Outro ponto é a inovação, ciência e tecnologia, mas cada caso deve ser estudado de maneira separada. Grande parte das oportunidades do Nordeste pode estar associada às suas vantagens comparativas e competitivas regionais, a exemplo da exploração de algumas atividades industriais e outras ligadas ao turismo. Em outro caso, a economia da Amazônia tem grande potencial na exploração das riquezas naturais, desde que seja feita com a devida preservação do meio ambiente. Ainda há a questão dos investimentos em comunicações modernas e fibras óticas, que talvez sejam mais importantes que fazer rodovias. O último trinômio é a educação, que consiste em qualificar a mão de obra para as que as oportunidades de cada região sejam plenamente aproveitadas.
Amcham: Como viabilizar uma política nacional de desenvolvimento regional?
Fernando Rezende: Temos alguns instrumentos. Além do investimento público, o incentivo fiscal é uma ferramenta pertinente, e nesse caso é necessário discutir como substituir os incentivos estaduais pelos federais. A política [de desenvolvimento] regional do passado foi feita em cima de incentivos federais, do Imposto de Renda que levava as indústrias para o Norte e Nordeste, assim como o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Precisamos saber como recuperar essa estratégia.
Amcham: O secretário da Fazenda de São Paulo chegou a mencionar a palavra secessão, caso a falta de consenso se agravar. O senhor vê ânimos acirrados na questão da padronização do ICMS?
Fernando Rezende: Não acredito nem em secessão política ou movimento separatista. Mas estamos criando, sim, uma nação economicamente fragmentada. Veja que as relações econômicas entre o Sul-Sudeste e o Norte-Nordeste se enfraqueceram muito ao longo dos últimos anos. Boa parte das indústrias que foram para o Norte-Nordeste ou Centro Oeste, por exemplo, trazem insumos de outras partes do mundo que geram produtos fabricados internamente. E que trazem dois problemas. O primeiro é que se enfraquece a coesão federativa, dado os interesses econômicos divergentes. Em segundo, ocorre a redução do valor agregado interno. Boa parte das indústrias que se instalam em função dos benefícios fiscais traz um kit pronto e apenas montam o produto aqui, com agregação interna menor de produtos. Não vamos enfrentar secessão, e sim entrar em um processo de debilitação progressiva da indústria nacional e perda da capacidade de acompanhar o ritmo de desenvolvimento dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e outros países a que estamos associados.
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Amcham: Que pontos positivos e negativos o senhor vê neste projeto de ICMS (PRS 1/2013) que está em tramitação no Senado?
Fernando Rezende: Ele só contribui para acirrar os conflitos da federação. Se for aprovado do jeito que está, poderemos ter eventualmente uma situação onde serão instaladas zonas de livre comércio em outras partes do Brasil. Será uma forma a que os Estados recorrerão para compensar o diferencial de incentivos dados à Amazônia, o que pode agravar o caos federativo.
Amcham: E como o sr. vê o envolvimento do governo federal em conciliar todos os interesses?
Fernando Rezende: É uma posição titubeante. O governo federal tem certa dificuldade em se envolver de forma mais atuante no processo, até porque tem uma situação fiscal que não é tranqüila. Há receio de que a demanda por compensações financeiras seja grande demais. A União reconhece a necessidade de mudar, mas hesita em assumir a liderança do debate talvez por receio de sair chamuscado politicamente e ter que pagar uma conta maior do que a conjuntura econômica permite.
Amcham: Para encerrar, como o senhor acha que o setor privado deve se posicionar diante da perspectiva de um novo cenário fiscal?
Fernando Rezende: O setor precisa se unir em defesa de um regime tributário que atenda as exigências da competitividade do País e dos diferentes segmentos. Cada empresa e segmento acomodou suas estruturas de produção em função das regras vigentes, de modo que as mudanças vão afetá-las de forma diferente. Por isso é muito difícil encontrar uma posição uniforme do setor privado em matéria de mudanças tributárias. Isso também dificulta a própria atuação do governo federal. Além disso, não há uma pressão da sociedade que aponte uma só direção. Criar uma proposta convergente para todos é o nosso grande desafio.