Indústria quer saber que país virá depois do ajuste, diz Fadigas



Por Denise Neumann


A indústria já vive há dois anos a recessão que atinge o resto da economia brasileira e um dos setores importantes, o químico, operou com ociosidade recorde de 22% no ano passado, situação que tende a piorar em 2015. Por isso, entender para onde o governo quer levar o país com o ajuste em curso é importante. “Ninguém faz o aperto pelo aperto. Você faz pelo que vem depois”, diz Carlos Fadigas, diretor­presidente da Braskem e presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). “Eu ainda não vi o governo dizendo para onde vamos”, acrescenta, apresentando uma tabela (reproduzida nesta página) que mostra como o Brasil perdeu competitividade nos últimos dez anos. Fadigas, porém, não põe no governo toda a responsabilidade e escolhe o “nós” em várias respostas. Se você sugere ir ao restaurante Mocotó, na zona norte da capital paulista, ele não vai simplesmente dizer: “Não, não gosto”. “Vamos ao Tuju, tem uma coxinha com catupiry que é uma delícia. Vamos ao Mocotó outro dia”, será sua resposta, em uma conversa cujo objetivo é discutir o papel da liderança e do diálogo. “No exercício de buscar uma visão conjunta, nós podemos fazer melhor, tanto no ajuste como na construção de uma agenda de longo prazo”, pondera.


Na construção dessa agenda, algumas propostas de Fadigas são polêmicas, como o uso de estímulos para alguns setores (mas não na ponta do consumo), um BNDES ainda forte e com funding à semelhança dos últimos anos por um pouco mais de tempo, a liberação de empresas que hoje estão impedidas de negociar com a Petrobras por causa do “petrolão” para não travar ainda mais o investimento. A Braskem, que não é investigada na Lava­Jato e nega qualquer favorecimento, contratou dois escritórios de advogacia para fazer uma auditoria interna após ser citada por dois delatores da operação.


A seguir, os principais trechos da entrevista.


Valor: Como o sr. está vendo o ajuste proposto pelo governo?


Carlos Fadigas: Não sou um expert no ajuste do governo, mas ele é muito mais uma contenção. E ele pega uma parte de investimento do governo, que é a parte que vai bater na economia de volta. A direção é mais ou menos essa, mas é muito mais um contingenciamento do que um programa de ganho de eficiência. Não foi um programa para reduzir gastos correntes mantendo qualidade dos serviços. Foi um esforço pontual de contingenciamento de orçamento.


Valor: Se é pontual, o que falta?

Fadigas: Especificamente em relação ao governo o que falta são as reformas, como a da Previdência, e uma racionalização do tamanho do governo. Alguém falou em reduzir o número de ministérios nessa discussão dos R$ 70 bilhões? Alguém falou em ganhos de eficiência dos processos de compra do governo? Alguém falou de revisão dos gastos correntes de cada ministério? Alguém abriu discussão entre gasto corrente e investimento? Falta isso. Não quero dizer que isso é fácil, mas meu isso não é estrutural, é pontual.


Valor: O que levou o Brasil à estagnação do crescimento?

Fadigas: A ausência de uma agenda mais clara, de longo prazo, para o desenvolvimento econômico do país. E essa ausência aparece na mudança das regras do setor elétrico, que levou ao encarecimento da energia; na orientação dada à Petrobras, e que limitou sua capacidade de investimento, de não repassar os aumentos de custos à gasolina; na reversão de expectativa de um setor importante como o do etanol. Todas essas mudanças e trocas de prioridades aconteceram no curto prazo, geraram um passivo de empregos e empresas que quebraram, e prejudicaram os investimentos de longo prazo. No setor petroquímico estamos há dois anos sem contrato de longo prazo. Temos uma agenda de R$ 6 bilhões de investimento que está parada. O Brasil pode se dar a esse luxo? “Você precisa bloquear todas as empresas de um grupo econômico de fazer negócios com a Petrobras?”


Valor: No caso específico da indústria, o que faltou na agenda de longo prazo?

Houve tentativas de política industrial, conteúdo local. Fadigas: Por causa da crise, desde 2007, 2008, todas as economias desenvolvidas reduziram suas taxas de juros para muito perto do zero, isso aconteceu no Japão, Estados Unidos, Europa. Já são sete anos de diferencial de juros, pois o Brasil fez uma redução de juros de uma forma que não foi sustentável, e voltou. Isso veio junto com um momento muito específico da economia mundial, que gerou excedente de minério de ferro, de produtos básicos brasileiros e desequilibrou a moeda. Esse megadesbalanço fragilizou a indústria.


Valor: O que mais, além de juros e câmbio, afetou a indústria?

Fadigas: Entre 2004 a 2014, e isso são dados preparados no meio do ano passado, então felizmente o câmbio andou um pouquinho, a moeda brasileira se valorizou 20%. Comparando Brasil, México e Estados Unidos, você vê aumento de salário, com alta de 100% no Brasil, 27% nos Estados Unidos e 67% no México. Até aí tudo bem, mas quem pagou a conta? Nos Estados Unidos, o trabalhador ficou mais competitivo. Dos 27% que foram dados, ele próprio pagou 19% com aumento de produtividade. No México, idem. No Brasil, não. E você teve um efeito duplo, você dobrou o salário em dólar e nossa moeda se fortaleceu. E tem também o custo com eletricidade, gás, o custo dinheiro [ver tabela acima]. O que eu mais gosto na comparação do gás é que o México não é abundante em gás, mas fez política industrial. São esses menos 37% [queda do preço entre 2004 e 2014] que estão fazendo com que a Braskem bote R$ 15 bilhões lá.


Valor: E qual é essa política industrial do México?

No que ela difere do que o governo brasileiro fez?

Fadigas: O México tomou uma decisão de desenvolvimento industrial e disse, “eu tenho um recurso natural, o gás; sou deficitário em resinas, que eu importo dos Estados Unidos; e eu vou fazer um leilão e quem pagar melhor, leva o gás para fazer investimento”. O objetivo era um projeto para converter isso em plástico. Mais de 20 grupos entraram e a Braskem ganhou junto com dois mexicanos, um saiu, ficamos em dois e estamos colocando mais de R$ 15 bilhões lá. Aliás, a presidente Dilma ganhou um prêmio no México há duas semanas e uma das justificativas é o investimento brasileiro lá.


Valor: Um investimento que poderia estar aqui?

Fadigas: Esse investimento a gente poderia fazer no Rio de Janeiro, no Comperj, e levamos cinco anos discutindo isso com a Petrobras. Nesse período, a Petrobras, segundo dados dela mesmo, subsidiou o combustível ao consumidor em R$ 60 bilhões, mas não se mobilizou para chegar numa fórmula de preço que o México achou. Com matéria­prima em um preço competitivo, tenho plástico local, para­choque de automóvel local, porque a petroquímica tem a segunda cadeia produtiva mais longa, segundo um estudo da FGV. Mas a Petrobras, não sei se ela, ou o governo, estava discutindo o marco do pré­sal e dando incentivo na gasolina para conter a inflação.


Valor: Foi má vontade da Petrobras ou uma decisão estratégica?

Fadigas: Falta de uma visão estratégica, de planejamento, o que volta na falta de agenda.


Valor: Até que ponto a indústria não quer para ela uma vantagem que antes era do consumidor?

Fadigas: Tem duas coisas. A primeira é a seguinte: se você vai dar estímulo, a questão é onde ele faz mais sentido para a economia, e certamente não é na ponta do consumo. A segunda é que todos os países trabalham em prol das próprias empresas. No Japão você tem um custo de geração de energia e você oferece isso para a sociedade em várias fatias de preço. Tem uma para a indústria de base, que gera emprego, e outra, maior, para o consumidor residencial. No Japão essa diferença é de 20 vezes; no Brasil, duas vezes. Então, você pode fazer ou não fazer, mas isso tem consequências. Você quer exportar petróleo, de forma bruta, sem beneficiamento, ou vamos criar outro produto e gerar beneficiamento aqui? A indústria brasileira tem hoje a menor participação histórica no PIB. Então, existe método para aplicar estímulo, para identificar onde ele funciona melhor.


Valor: É o caso da Chesf?

Fadigas: O caso da Chesf é pior, porque aquelas indústrias durante muitos anos pagaram acima do custo de geração de energia. [Sete empresas eletrointensivas discutem com a Chesf e o governo o preço da energia, de contratos especiais que vencem em junho e foram firmados há 30 anos]. O que o governo disse lá atrás para convencer as em presas? Você tem um custo de cento e tantos reais, que remunera o investimento feito na barragem, mas depois o preço da energia deve cair para perto de R$ 40 e você paga só o custo de operação e manutenção. Na hora do preço cair, você muda a regra [na MP do setor elétrico] e joga esse preço menor para o consumidor final. De novo, é o estímulo dado na ponta errada. Temos uma fábrica inaugurada em 2012, colocamos R$ 1 bilhão e ela é uma das que está ameaçada, porque a visão é que a indústria está ganhando um subsídio, mas estamos brigando para continuar pagando acima do custo de operação, só não queremos pagar o custo extra gerado pela desregulação do setor. O ministro Eduardo Braga, de Minas e Energia, tem se empenhado por uma solução. Espero que tenhamos novidade em breve. É um ponto da agenda de curto prazo que avançou, como o ministro Armando Monteiro tem tentado em outros pontos do debate. Valor: Juros, câmbio, falta de agenda. Que crise vem por aí? Fadigas: Preciso separar o crescimento do PIB brasileiro por setores. Se você olha para serviços e setor extrativo, não acho que esteja havendo uma crise de longo prazo, de perda de PIB. Vamos ter um drive positivo em 2016, talvez com apenas 0,5%, mas não vejo uma crise com cara de recessão. Vejo um período de crescimento baixo. Na indústria, especificamente, estamos em crise há algum tempo. Entre 2014 e 2015, serão 6% de queda na produção. Já é grave e longa a recessão na indústria, e isso preocupa. Na Abiquim, batemos dois recordes no ano passado. O uso da capacidade instalada nunca foi tão baixo, 78%, e a penetração do produto importado foi de 36%.


Valor: O que preocupa mais?

Fadigas: Vou tocar no papel da Petrobras, porque ela está no meio de uma cadeia produtiva muito importante, de fornecedores e clientes, como a Braskem. Você pega um momento como esse e junta com o “petrolão”, você paralisa uma Petrobras, pois o plano de negócios vai sair no meio do ano, os balanços atrasaram. Não era hora disso acontecer, e o custo social desse processo de investigação não é pequeno. Você precisa fazer a investigação, ninguém vai advogar que não é necessário. Mas tem formas e formas de fazer.


Valor: O que podia ser diferente para minimizar esse impacto negativo do “petrolão” na economia?

Fadigas: Primeiro, o tempo de reação da Petrobras podia ter sido mais rápido, embora a diretoria atual esteja fazendo o melhor que pode. Depois, a abrangência com a qual alguns temas estão sendo tratados talvez esteja além do necessário. A parte judicial tem que seguir em frente? Tem que apurar? Sim, mas tem um conjunto enorme de empresas, como Camargo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, que estão com medida cautelar da Petrobras e impedidas de fazer negócios. Independente da parte judicial inquestionável, quantas pessoas perderam seus empregos e quanto investimento deixou de ser feito?


Valor: Como é possível avançar nisso, sem saber, de fato, qual a culpa dessas empresas nesse processo?

Enquanto gestor do Estado você corre o risco de contratar uma empresa que ao final se mostre culpada. Fadigas: Não tenho a resposta ideal, mas veja um ponto que você colocou. Existe uma preocupação do gestor, com os efeitos da decisão que ele toma. Se você tem um processo para avaliar se ela é culpada em um assunto, tem também a discussão se você precisa bloquear todas as outras empresas do grupo econômico de fazer negócios com a Petrobras. Ela foi culpada? Ok, qual a multa? Qual a consequência para os administradores, para a empresa? A perda daquele contrato, tudo mais. Agora, por que outra empresa que atua em outro setor, não pode fazer negócios? Você tem um sócio lá que é diferente. No caso da Odebrecht, você tem fundos estrangeiros sócios da Odebrecht Óleo & Gás. Então você começa a ampliar o que não precisaria ser ampliado. Valor: Mas qual o caminho para retomar o crescimento? Fadigas: É difícil dar uma receita que resolva tudo, mas ela tem ajuste fiscal feito da forma mais rápida possível junto com a geração da dinâmica do investimento. Vamos botar para frente o programa de concessões, fazer a rodada de petróleo, botar o programa de desinvestimento [da Petrobras] na rua, vender ativo a ativo. Por que manter o controle acionário? Nem estou sendo ambicioso de falar da agenda de longo prazo, da reforma da máquina pública e de competitividade, mas isso está na base do que precisa ser feito. “O setor produtivo precisa um BNDES forte e importante. Não é o momento de puxar mais essa alavanca” Valor: Abertura comercial com redução de tarifa de importação, preocupa o setor petroquímico? Fadigas: Todo mundo concorda que a direção é essa. Mas isso não pode acontecer descoordenado de uma agenda de competitividade. Você precisa fazer o trabalho difícil junto com o fácil. O fácil é dar uma canetada e a alíquota cai. O difícil é montar uma agenda para o setor elétrico e garantir insumo competitivo. Montar uma agenda com a Petrobras e oferecer matéria­prima competitiva. Trabalhar em normas de trabalho para que a gente tenha uma mão de obra treinada e competitiva. Ter infraestrutura de porto, estrada, ferrovia, que ajude. Na hora que você faz isso, você libera tarifa do outro lado. Nem os Estados Unidos cometeram a bobagem de liberar comércio sem ter certeza que o setor era competitivo. Você não consegue exportar produto agrícola para os Estados Unidos, para a União Europeia. Então, livre comércio é o norte mas não dá para só fazer o dever de casa fácil. Se você fizer isso, mais desindustrializa que industrializa.


Valor: O sr. acha que faltou combinar as medidas de ajuste com o setor privado?

Os interlocutores do ministro Levy dizem que ele “reclama” que os empresários não querem abrir mão da desoneração.

Fadigas: Eu acho que o diálogo pode ser sempre melhor, de ambas as partes. Falamos muito pouco do objetivo do ajuste. Quanto podemos crescer em 2017? E em 2018? Eu não ouvi esse número do governo. “Olha, estamos trabalhando para o país ter potencial de crescer 3,5% em 2018. Pretendemos que a dívida pública caia dessa forma, que a taxa de juros possa cair assim, e acreditamos que isso vai gerar a chance de crescermos 2,8% em 2017, e em 2018, 3,5%. Junto com o aumento de impostos, temos essa agenda para o setor elétrico, infraestrutura, treinamento de mão de obra, redução de gasto corrente do governo”. Eu não ouvi. Ninguém faz o aperto pelo aperto, ninguém faz economia pela economia. Você faz pelo que vem depois. No fundo, o governo está usando a consciência, a educação, o conhecimento do setor produtivo que sabe que essa é a direção certa para ter esse apoio, mas falta compartilhar que visão é essa. Qual a agenda? Se você sabe, é mais fácil. Você pode dizer: olha, esse pedaço eu não gosto, mas aquele sim. Vou fazer um paralelo. Me fala o nome de um restaurante que você gosta.


Valor: O Mocotó, na zona norte.

Fadigas: Você me faz essa sugestão, mas eu viro para você e digo: “Não, não vamos lá. Já fui lá e não gostei”. Pronto, não te ofereci nada, você tinha expectativa de ir, e eu simplesmente disse não. Ou eu posso dizer: “Não vamos lá hoje. Vamos outro dia, vamos no Tuju, na Vila Madalena, tem uma coxinha com catupiry que é uma delícia”. Nesse caso, você tira o Mocotó, mas oferece alguma coisa, tem uma agenda de liderança, tem um norte, uma direção conjunta. Não é tirar para não ter nada. Não é dizer: “Não, não vamos ao Mocotó porque eu não gosto”. Então, esse exercício de buscar uma visão conjunta, nós podemos fazer melhor, tanto no ajuste como na construção dessa agenda, acho que isso vem fazendo falta.


Valor: O setor privado pode prescindir de um BNDES do tamanho que ele tem hoje?

Fadigas: Não. A gente precisa trabalhar para não depender do BNDES e isso passa pela taxa de juros da economia. Vai tomar dinheiro a 13% ao ano para fazer estrada já era, vai tomar a 13% para fazer planta petroquímica? O projeto do México está financiado a pouco mais de 5%. A solução de longo prazo é desenvolver o mercado de capitais, ter estabilidade de juro e alongamento gradual nos financiamentos, com desenvolvimento do mercado de capitais local. Acho que reduzir o papel do BNDES nessa hora soma em todas as alavancas que já estamos puxando para trás: gasto do governo, reduzindo; imposto, subindo; incentivo fiscal, reduzindo; juro, subindo; BNDES, menor. Vai tudo na mesma direção e ao mesmo tempo. O setor produtivo precisa de investimento de longo prazo para celulose, petroquímica, infraestrutura, hidrelétrica, precisa de um BNDES importante, forte. Como? Como fundeia o BNDES? Talvez no horizonte de curto prazo, dois, três, quatro anos, da mesma forma. Quando algumas alavancas tiverem ido para frente, aí pode segurar um pouco o BNDES.

Fonte: Valor

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