Por Marcos Cintra
Desde 2013 cogitase no Congresso a volta da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), como uma contribuição para o financiamento da saúde pública. Ela teria uma alíquota de 0,15% sobre a movimentação financeira, o que garantiria uma receita em torno de R$ 30 bilhões. Há especulações sobre a fixação de alíquota que permitiria atingir até R$ 65 bilhões, ou cerca de 1,25% do PIB. Desde sua criação, a CPMF, inicialmente denominada IPMF, foi tema de debates acirrados entre os defensores e os críticos da tributação sobre a movimentação financeira, que teve origem na proposta do imposto único na década de 90. Porém, ao invés de ser criado como um tributo substitutivo de outros de menor eficiência arrecadatória, foi implantado como um tributo adicional aos já existentes, desvirtuando a ideia inicial de unificação de vários impostos de natureza declaratória sobre uma base de arrecadação automática e ampla, como as transações nas contas correntes bancárias.
Roberto Campos caracterizou o fato como “estupro do imposto único”. Contudo, mesmo tendo sido criada como mais um tributo a CPMF foi um importante experimento para a economia brasileira e deitou por terra uma série de previsões que vaticinavam desintermediação bancária e inflação galopante caso fosse implantada. Nada disso ocorreu e o “imposto do cheque” acabou contribuindo para promover um ajuste fiscal em meados dos anos 90, abasteceu o Fundo de Combate à Pobreza e serviu como mecanismo de detecção de sonegadores. De um modo geral, revelouse um bom imposto, ainda que implementado de forma politicamente inábil e conceitualmente traiçoeira. Contribuição deve ser introduzida como referência para uma reforma que mude a caótica estrutura fiscal A CPMF gerou resistência feroz dos contribuintes e dos economistas convencionais, tendo sido descontinuada a partir de 2008. Mas vale lembrar que o debate ocorrido na ocasião deixou importantes legados em defesa daquele tributo.
Atualmente seu retorno tem apoio de parlamentares, de governadores e aparentemente até do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que se manifestou favorável ao tributo no passado. Em 17/9/2007 o então secretário de Fazenda do Rio de Janeiro, Joaquim Levy, publicou no Valor o artigo “CPMF gera menos distorções na economia que outros tributos”, afirmando que “devese evitar que a renovação da CPMF… seja abafada por generalidades, preconceitos ou mesmo oportunismo”. No artigo, Joaquim Levy afirma que “a CPMF é hoje um dos tributos que gera menor distorção na economia”, e nega que sua incidência “altere o comportamento das pessoas de forma prejudicial à economia”. O argumento de Joaquim Levy encontra respaldo em vários trabalhos acadêmicos recentes, inclusive em simulações que produzi para comparar o impacto de um Imposto sobre Movimentação Financeira (IMF) com o de um sistema tributário tradicional, sobre os preços de 110 setores da economia*. José Roberto Afonso, da FGV, passou a compilar o tema dos impostos sobre movimentação financeira em seus criteriosos levantamentos acerca do debate econômico mundial, mostrando que finalmente o tema passa a ser analisado com maior acuidade técnica e sem os preconceituosos chavões e frases de efeitos contrários a eles, transformados em frequentes refrões reverberados na imprensa.
De fato, tributação sobre movimentação financeira, como aplicada no Brasil, produz menos distorções alocativas que a tributação clássica, contrariando os clamores verborrágicos de economistas versados em livros textos convencionais. Vale lembrar que mesmo sendo um tributo cumulativo, a CPMF tem a vantagem de permitir alíquotas baixas para atingir uma dada meta de arrecadação, e que seria preferível em termos alocativos a um imposto não-cumulativo com alíquota elevada. Sua cumulatividade não impede a desoneração das exportações, através da utilização de cálculo matricial. Outro aspecto do artigo de Levy trata da eficácia administrativa da CPMF em termos de transparência, custo, combate à sonegação e distribuição do ônus fiscal.
Segundo o ministro da Fazenda, a CPMF tem qualidades pelo fato de “sua arrecadação ser transparente, verificável e barata, ela alcança agentes que escapam de outros impostos, aumentando a equidade do sistema como um todo”. E aduz ainda que um estudo do Banco Mundial conclui que “apesar do encanto e popularidade de opiniões afirmando que a CPMF é um mecanismo de tributação muito oneroso à sociedade, até agora a pesquisa empírica tem falhado em dar suporte a esta conjectura”. O ministro Levy conclui dizendo que “de fato, as referências acadêmicas mais usadas nos debates são um encadeamento de citações sobre conjecturas ou modelos com falhas lógicas ou saltos apriorísticos na implementação”. Não obstante a pertinência dos argumentos esgrimidos a favor da CPMF por Joaquim Levy, sua pura e simples recriação na atual conjuntura seria polêmica se utilizada apenas como instrumento de elevação da carga tributária.
Tributação sobre movimentação financeira não deve ser vista, mais uma vez, apenas como um mecanismo para socorrer as finanças públicas em situação crítica. Pelo contrário, deve ser introduzida também como referência para uma reforma tributária voltada à simplificação da caótica estrutura fiscal do país, ao combate da sonegação, à redução dos custos administrativos das empresas e à melhor distribuição do ônus entre os contribuintes. O tributo deve resgatar a ideia inicial de utilização da movimentação financeira como base para a eliminação dos tributos declaratórios complexos e ineficientes em uso na economia brasileira, além de ser valioso elemento coadjuvante do ajuste fiscal. (*) vide capítulo 2 do livro “Bank Transactions: Pathway to the Single Tax Ideal”, disponível em http://mpra.ub.unimuenchen.de/16710/1/MPRA_paper 16710.pdf Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard e professor titular de Economia na FGV. Foi deputado federal (19992003) e autor do projeto do Imposto Único.
Fonte: Valor