Sem instrução adequada sobre a lei e o código de ética relacionados à função que exercem, servidores públicos federais indicam que a corrupção não é exclusiva de altos escalões do governo ou de empresas. Em pesquisa realizada pelo Centro de Referência do Interesse Público da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 28,6% declararam já ter detectado suspeita de corrupção nos órgãos onde trabalham. Já 34,8% deles afirmam que a cobrança de propina na administração pública federal é frequente ou muito frequente.
A pesquisa, aplicada em 2010, mostra que a identificação desses atos só se transforma em denúncia em 34,8% dos casos. Entre os que não denunciam, 66,8% atribuíram a decisão à falta de provas e 11,8% ao medo de represálias.
Os resultados da pesquisa revelam que, ao mesmo tempo em que 53,4% acham adequado o controle exercido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) junto aos órgãos, a maioria acha frágil o controle interno da administração federal: 59,9%. Entre os entrevistados, o principal motivo para a permanência da corrupção em seu ambiente de trabalho é a impunidade, de acordo com 31,2%. Em segundo lugar, vem a cultura que privilegia a falta de ética dos servidores e o “jeitinho”, segundo afirmam 19,4% dos participantes.
De acordo com o coordenador da pesquisa, o sociólogo Fernando Filgueiras, os resultados apontam para uma contradição: ao mesmo tempo em que os órgãos de fiscalização, como o Tribunal de Contas da União, a Advocacia Geral da União, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal vêm se aperfeiçoando, o resultado dessa melhora não se traduz no fim da sensação de impunidade, o que explica as ocorrências de corrupção relatadas pelos servidores.
— Desde o processo de democratização do Brasil, há um avanço significativo da cultura política, o brasileiro tolera muito menos a corrupção. Mas ainda lidamos mal com o espaço público, existe uma cultura privatista e uma gestão pública despreparada para lidar com as políticas públicas, além de uma sensação de impunidade muito forte ligada às instituições. A sensação de que a corrupção não vai ser punida vira uma espécie de regra no serviço público — explica ele.
De acordo com Filgueiras, falta a essas instituições de fiscalização eficiência na atuação conjunta. Ele defende um “sistema de integridade pública”, que congregue todas essas entidades.
— As instituições individualmente funcionam melhor, mas falta integração. A sensação de impunidade existe porque nenhuma delas vai conseguir atuar sozinha. Essas instituições precisam trabalhar conjuntamente, constituir um esforço coletivo para enfrentar a corrupção. Às vezes o Tribunal de Contas começa uma ação que depende de outras instituições, e aí ela para — ressalta Filgueiras.
O pesquisador admite que os dados sobre tentativas de suborno e cobrança de propina surpreendem e refletem uma rotina do serviço público que é invisível diante dos escândalos nacionais.
— Esse dado revela exatamente um cotidiano da pequena corrupção no serviço público, que se mantém por um forte sentimento de impunidade e falhas nos mecanismos de controle.
Para a doutora em psicologia pela USP e autora do estudo “Conduta moral e administração pública”, Nanci Gomes, a ocorrência de atos de corrupção, mesmo os anônimos, como no ambiente de trabalho, estão ligados à formação social. Eles são baseados na mesma estrutura de valores que sustenta as irregularidades que originaram grandes escândalos, em geral condenados pela população.
— Nós estamos em uma sociedade que propicia isso, uma sociedade competitiva, que estimula o narcisismo, que valoriza o ter, que valoriza o outro pelo que ele possui. Não há um ideal social. Quanto mais distante a gente tiver que de perceber que pequenos atos estão sustentados pela mesma estrutura e modo de pensar, mais distante estamos de resolver o problema da corrupção.
Fonte: O Globo – Brazil