Por Adriana Mattos
A nova classe média brasileira, símbolo da política econômica do atual governo, está mais pobre e para se proteger da perda do poder de compra, passou a cancelar temporariamente a aquisição de produtos que expressavam suas conquistas de consumo dos últimos anos. Com isso, o consumidor deu “um passo para trás” e foram interrompidos os avanços no perfil de compra da classe média, segundo pesquisas de especialistas do setor.
Esse cenário de corte nas compras deve se manter em 2015. “Tivemos um aumento no número de novos itens na cesta de consumo até 2013. Havia expectativa de que esses produtos ‘entrantes’ permanecessem nos lares e sua frequência no carrinho de compras aumentasse. Mas com a piora do quadro econômico, interrompemos esse processo e demos um passo para trás”, disse Christine Pereira, diretora comercial da consultoria Kantar Worldpanel. “Para 2015 esperamos uma tendência muito parecida com 2014. Os consumidores terão de fazer mais escolhas na hora da compra” Segundo a executiva, o volume médio de produtos comprados no varejo pelas classes A e B caiu 3,1% em 2014 e na classe C, recuou 1,3%.
Na classe D, houve alta de 3,4%, resultando num número geral de leve queda de 0,2% no volume médio em 2014, segundo pesquisa da Kantar obtida pelo Valor. Depois de medidas tomadas, como a troca de marcas mais caras pelas mais baratas e substituição de produtos, há diminuição da frequência de compra de alguns produtos, sem necessariamente substituição por itens equivalentes. É o caso de produtos com preços elevados e que são “novos entrantes” como alvejantes sem cloro, que custam de R$ 10 a R$ 18. Doces e biscoitos, considerados supérfluos, também caíram em frequência na lista, assim como o pós-xampu para os cabelos. Esses dados fazem parte de pesquisas de consultorias como Kantar, Data Popular e Nielsen no último ano. Entre os itens que deixaram a lista de compra, mas têm substitutos, estão os iogurtes petit suisse, trocado pelo iogurte comum, mais barato e com rendimento maior. O antisséptico bucal, com potencial de crescimento na classe C, diz a Kantar, manteve frequência de compra em duas vezes por ano. As mudanças de comportamento de compra refletem a menor renda disponível nas classes C e D, reflexo de maiores pressões inflacionárias, especialmente em alimentos e bebidas (IPCA dos setores foi de 8% em 2014), crédito mais caro e elevação nas tarifas públicas. “O consumidor tenta preservar, ao máximo, o status adquirido. Ele já fez trocas de marcas para não abrir mão do produto. Também já passou a comprar em novos canais, como o ‘atacarejo’. Ajustes mais drásticos podem acontecer se o mercado de trabalho se deteriorar, porque o varejo de bens não duráveis depende de renda”, disse Alberto Serrentino, sóciodiretor da Varese Retail.
O levantamento da Kantar mostra também que o brasileiro foi nove vezes menos ao varejo, em média, em 2014. É uma redução de 10% no número de visitas ao ano. Para efeito de comparação, em 2013, o volume médio subiu pouco, mas não declinou (0,8%) e o números de visitas também caiu menos (diminuiu em três vezes ao ano). Os dados mostram que há um descolamento entre valor pago e volume vendido desde o fim de 2012, após piora do quadro econômico. Até então, as duas curvas andavam mais próximas, mas desde 2013, a curva de preço sobe mais rápido que a de volume (veja tabela ao lado). Em termos de valor desembolsado, o gasto médio do brasileiro subiu 9,4%, alta muito mais relacionada à escalada nos preços dos produtos nas lojas do que com o aumento de compra de lançamentos com preço mais alto a chamada sofisticação do processo de compra, verificada especialmente entre 2008 e 2010.
A pesquisa é realizada semanalmente em 11.300 lares brasileiros, que representam o comportamento de consumo de 50 milhões de domicílios. Pelos dados, o varejo de alimentos e bebidas sentiu mais a queda na frequência (menos 7 e 3 visitas no ano, respectivamente), enquanto no varejo de farmácias (higiene e beleza) houve estabilidade na frequência. Em relação aos canais, o aumento no volume de vendas do “atacarejo” foi de 24% no ano passado, com tíquete médio de R$ 80,22. As cinco maiores varejistas alimentares do país Carrefour, Grupo Pão de Açúcar, Walmart, Cencosud e Zaffari tiveram alta de só 3%.
Fonte: Valor