Para consolidar uma união aduaneira, teria sido necessário empreender a harmonização de políticas macroeconômicas e fiscais, algo jamais levado a sério.
Engana-se quem supõe ser a atual crise do Mercosul unicamente fruto da suspensão do Paraguai em julho de 2012 na reunião de cúpula de MENDOZA , com a consequente oficialização da Venezuela como membro pleno do bloco. Esse episódio simplesmente agravou, talvez inexoravelmente, os desacertos operacionais e institucionais que vêm se acumulando nos últimos 12 anos.
O advento do Protocolo de Ouro Preto, em dezembro de 1994, estabelecendo o marco inicial de estruturação da união aduaneira, foi concebido numa ordem anacrônica. De início negligenciou as flagrantes assimetrias existentes entre os quatro países que, mais tarde, viriam tornar inviável qualquer projeto de coordenação macroeconômica, condição imprescindível para o avanço do processo de plena integração sub-regional. Dos objetivos traçados naquele marco, logrou-se obter a estruturação da tarifa externa comum que atualmente está sensivelmente perfurada. Praticamente todos os demais compromissos para sedimentar a formação de uma união aduaneira foram rigorosamente descumpridos. Mais tarde, aprovou-se a Decisão CMC 32/2000, hoje considerada uma camisa de força bloqueando o Brasil no esforço para alcançar novos mercados comercialmente mais importantes.
Para consolidar uma união aduaneira, teria sido necessário empreender a harmonização de políticas macroeconômicas e fiscais, algo jamais levado a sério. A sistemática adotada para viabilizar projeto de tal envergadura pautou-se pelo exercício da intergovernabilidade, mediante decisões tomadas por consenso na presunção de que cada país teria o mesmo grau de responsabilidade e capacidade de honrar os compromissos assumidos. O resultado é que o Mercosul apresenta, atualmente, um inimaginável índice em torno de 50% de inadimplência na internalização dos atos comunitários nos respectivos ordenamentos jurídicos.
A década passada foi marcada por inúteis tentativas de “relançamento do Mercosul”, num ambiente de crises internacionais que intensificaram a adoção de políticas nacionais autárquicas, invalidando qualquer esforço coletivo. Nos três últimos anos as transações bilaterais entre Brasil e Argentina sofreram importantes baixas e se arrastam num emaranhado de medidas administrativas e cambiais adotadas por aquele país. Os sérios obstáculos que o governo argentino vem enfrentando na Justiça americana para saldar seu débito externo tendem a agravar o quadro recessivo do país e travar ainda mais seu comércio exterior.
No campo político, a Venezuela, além de não avançar nos compromissos assumidos no Protocolo de Adesão ao Mercosul firmado em 2006, enfrenta séria crise econômica e política que arranha os compromissos democráticos que ela mesma invocou para influir na punição do Paraguai. Para engrossar o caldo, a Bolívia deverá ingressar oficialmente como o sexto integrante do bloco.
Permanece a dúvida de que qualquer decisão institucional e operacional adotada pelo bloco, a partir de julho de 2012, não tem validade jurídica em obediência ao Artigo 37 do Protocolo de Ouro Preto que reza: “As decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados Partes.” Nada mais peremptório, o que, aparentemente, retarda por mais de um ano a reunião de cúpula e a assunção de nova presidência pro tempore.
Lamentavelmente as traças estão preparando uma linda festa e os barrados no baile serão os setores privados.
Mauro Laviola é vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil
Fonte: O Globo