Por Angela Bittencourt, Flavia Lima, Arícia Martins e Aline Oyamada
O anúncio das novas metas de superávit primário feito pelo governo na semana passada surpreendeu pela intensidade e extensão, funcionando como um divisor de águas para os economistas que, em meio ao choque de realidade, dispararam revisões baixistas para os principais indicadores econômicos. Para quatro experientes economistas do mercado financeiro dois deles com funções de comando no setor público no currículo , a decisão do governo de revisar dramaticamente a meta de superávit primário neste e nos próximos dois anos teve o condão de escancarar a realidade e os limites das contas do públicas.
E pode também indicar uma mudança importante de posição da equipe econômica, que busca compartilhar a estratégia de combate ao aumento dos gastos obrigatórios com o Congresso e com a sociedade. “Não me parece que jogaram a toalha”, disse o economista chefe da Bradesco Asset Management (Bram), Fernando Honorato Barbosa, que esteve ontem no Valor, ao lado de Carlos Kawall, economista chefe do Banco Safra e ex-secretário do Tesouro; Luiz Fernando Figueiredo, sócio diretor da Mauá Capital e ex-diretor do Banco Central; e Marcelo Carvalho, economista chefe do BNP Paribas para a América Latina.
Os quatro integram o Comitê de Acompanhamento Macroeconômico da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), cujas reuniões são feitas sempre antes da definição da taxa Selic pelo Copom. A edição de ontem foi realizada na sede do Valor. Segundo Kawall, do Safra, o ajuste fiscal é condição necessária, mas não suficiente para que a confiança se recupere, pois o próprio ajuste é inviabilizado por aspectos econômicos estruturais, como o crescimento das despesas e a rigidez dos gastos. “É um volume de despesas que não cabe no tamanho do Brasil”, afirmou o economistachefe do Safra. Para Kawall, as mudanças no abono salarial e no seguro-desemprego são uma “quebra de paradigma”, mas não resolvem o problema. “A questão não é de credibilidade da equipe econômica ou de erro de diagnóstico, é um problema de reação da sociedade e do Congresso”, disse.
Na mesma linha, Honorato, da Bram, avaliou que, com a revisão das metas de superávit primário, o governo quis escancarar o problema e trazer a sociedade para o debate. “Mas não adianta fazer planejamento e todo mundo lá se esforçar se a sociedade não decidir que tamanho de gasto que a gente quer ter”, disse Honorato, ao lembrar que o próprio ministro Nelson Barbosa declarou que o governo tinha a opção de elevar impostos regulatórios, como o IPI ou o IOF, ao invés de reduzir a meta de economia para pagar os juros da dívida.
De uma maneira taxativa, Kawall afirmou que é preciso atacar o gasto onde ele é maior, “não no cafezinho”. Nessa conta, entrariam assuntos espinhosos como os gastos da Previdência, as despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e a vinculação dos gastos com Saúde e Educação.
Com uma análise mais focada no curto prazo, Figueiredo, da Mauá Capital, disse que a nova meta fiscal pode ter “atrapalhado” o processo de conclusão do aperto monetário, já que o BC estava a caminho de fazer um “ajuste fino” em sua política monetária, possivelmente considerando elevar a Selic em apenas 0,25 ponto percentual na reunião de hoje, mas foi surpreendido pela magnitude do corte na meta fiscal. “É muito possível ter 50 ou 25 pontos base. Qual dos dois? É difícil saber.” Para Figueiredo, o BC teve razão ao mudar o tom do discurso na semana passada, que se tornou mais ‘hawkish’ (conservador) aos mercados. “Muitas vezes o BC tem que deixar tudo em aberto porque ele, inclusive, está na dúvida”, disse, ao contar a história de que houve uma ocasião, quando estava no BC, em que toda a equipe do Copom mudou de opinião em uma reunião. “Discutimos o que deveríamos fazer: manter o discurso e fazer uma coisa que achamos que está errada ou mudarmos?
Nossa conclusão foi que devíamos fazer o que achávamos certo, e não ficarmos reféns de um discurso.” Em um tom mais duro, Figueiredo disse que a taxa de juros brasileira é uma “jabuticaba” e só tem vantagem para quem não corre riscos e quer viver de renda. “Juro a 14% não é razoável, nenhum país precisa”, disse. Segundo Figueiredo, o momento atual é propício para avaliar o que o país, no fim das contas, quer. “Se continuarmos desse jeito vamos cair no precipício mesmo”, sentenciou.
Marcelo Carvalho, do BNP, disse que a revisão da meta fiscal, além da perspectiva de abatimento de frustração de receita, confirmou a mudança no “plano de voo” do governo, que apontava para um ajuste clássico da economia. Segundo ele, a revisão é uma notícia ruim porque as condições hoje são piores do que em outros momentos. Entre a reunião do comitê de acompanhamento da Anbima de junho e o último encontro realizado, conta Carvalho, houve uma forte deterioração na percepção sobre o desempenho da atividade.
O consenso de projeções de 25 entidades que fazem parte da Anbima aponta que o PIB terá recuo de 1,9% neste ano, retração mais forte do que a estimativa anterior, de 1,3%. Para 2016, a previsão mediana para a atividade ainda se mantém positiva, mas passou de expansão de 1% para 0,3%. “A recessão será mais prolongada do que se imaginava”, disse Carvalho. Já o consenso de projeções para a dívida bruta subiu de 63,5% para 64,6% em 2015. Para 2016, essa previsão aumentou de 65,1% para 67,1%. “Não temos projeções de longo prazo, mas o debate foi temperado pela percepção de que chegaremos a 70% do PIB em algum momento ainda neste governo”, disse Carvalho. Nesse cenário, diz ele, o risco de que a nota de crédito soberana brasileira seja rebaixada é maior, algo sobre o que a decisão de alterar para negativa a nota de crédito brasileira tomada ontem pela S&P não deixou dúvidas.
Fonte: Valor