O Brasil não é a Venezuela




luiz carlos mendonça de barros

Existe hoje um clima de quase pânico em parte da elite brasileira. Sou testemunha deste fato, pois, por dever profissional, tenho contato com um grande número desses desesperados. A leitura deste pessoal é a de que estamos caminhando celeremente para o mesmo caminho trilhado pela Argentina e pela Venezuela.

O leitor sabe que não concordo com essa leitura catastrofista por várias razões. Uma delas é que a recessão que vivemos hoje nada mais representa do que o caminho natural de toda a economia de mercado depois de um período de boom econômico, como o que vivemos entre 2004 e 2011. Esse ajuste foi evitado no início do mandato da presidenta Dilma pela aplicação de doses maciças de anabolizantes com alto conteúdo de expansão do crédito dos bancos públicos e aumento dos gastos do governo.

Entre 2004 e 2007 o crédito cresceu a uma taxa de 25% ao ano nos bancos privados e de 20% no caso dos bancos públicos. Entre 2007 e 2008, esta taxa acelerou-se para mais de 35% ao ano no segmento privado, com os bancos oficiais ficando para trás, crescendo apenas 20% ao ano.

Mas, a partir do agravamento da crise americana, no segundo semestre de 2008, essas posições se inverteram, com os bancos privados pisando no freio e trazendo a taxa de expansão de seus empréstimos para menos de 10% ao ano e os bancos oficiais expandindo suas operações a uma taxa que chegou a 40% nas vésperas das eleições de 2010.

Era o governo reagindo à crise externa e defendendo a eleição de sua candidata a presidente da República. Passadas as eleições, a política econômica do governo voltou à normalidade, com os bancos públicos reduzindo a taxa de expansão de suas operações para algo próximo a 20% ao ano, a mesma verificada então nos bancos privados.

Pois foi nesse momento que a queda da atividade passou a tomar conta da economia brasileira dentro de um processo natural de ajustes, como escrevi acima. O governo, em vez de aceitá-lo -e administrar esse ajuste-, decidiu aumentar suas apostas no crescimento do consumo e, mais uma vez, os bancos públicos foram chamados a agir.

As taxas anuais de crescimento de suas operações voltaram a crescer, chegando a 30% ao ano em 2013. Neste cenário, as vendas ao consumo aumentaram, dando a impressão de que a economia -como no passado- voltaria a responder positivamente aos mesmos anabolizantes.

Ledo engano, pois as condições eram outras e a inflação apareceu com força, obrigando o Banco Central a mudar o sinal de sua política monetária. Pressionado pelos efeitos de uma inflação que, mesmo com juros mais altos, ameaçava sair do controle, o governo jogou a toalha e, nos últimos meses, ordenou que os bancos públicos normalizassem suas operações.

Hoje a taxa de expansão caiu para 18% ao ano e deve continuar a desacelerar, seguindo a direção dos bancos privados, que vem expandindo suas operações a uma taxa modestíssima para nossos padrões, de 8% ao ano.

Volto agora ao início de minha coluna e reafirmo minha posição de que esta recessão que estamos vivendo é “ainda” fruto de um ajuste natural e benéfico de nossa economia. Com uma política econômica adequada, será questão de pouco tempo voltarmos ao leito natural de crescimento, que deve ser hoje da ordem de 3% ao ano. O que nos afasta de forma clara do mesmo caminho trilhado pela Venezuela e Argentina.

E parece que essa é também a leitura do mercado internacional de capitais, pois o Brasil teve uma demanda de US$ 4,8 bilhões para a emissão de US$ 500 milhões de títulos de dez anos de prazo anunciada há poucos dias. Aproveitando-se da situação em que as ofertas de compra representaram mais de nove vezes o valor da emissão, o Tesouro vendeu um total de US$ 1 bilhão, pagando juros anuais de 3,88%, ou seja, 1,4 ponto percentual mais do que o título equivalente do Tesouro americano.

Como eu, todos os compradores destes papéis -e de outros emitidos pelo governo brasileiro no exterior e aqui no país- estão longe da histeria dos brasileiros preocupados com nosso futuro de Venezuela.

Fonte: Folha


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