À meia noite de 31 de julho, em Genebra, encerrou-se o prazo para que fosse adotado o Protocolo do Acordo sobre Facilitação do Comércio, o primeiro acordo multilateral negociado no âmbito da Organização Mundial do Comércio desde a sua criação, há 19 anos. Nas palavras do próprio diretor geral da OMC, o brasileiro Roberto Azevêdo, apesar de todos os esforços, não foi possível, em tão pouco tempo, encontrar soluções que superassem as diferenças entres os países membros para permitir que o acordo fosse incorporado dentro do prazo originalmente negociado.
Esse novo acordo era visto como a grande conquista do Pacote de Bali, resultante da Nona Conferência Ministerial da OMC, e havia gerado grandes expectativas para eventual retomada das negociações da Rodada Doha. Uma vez implementado, o acordo poderia significar aumento em mais de US$ 1 trilhão na economia mundial, de acordo com a OMC, pois prevê a diminuição de entraves burocráticos às operações de comércio exterior em todos os países membros.
Conforme as regras da própria OMC, a adoção de protocolos e novos acordos deve ser feita por consenso positivo, momento em que todos os países membros concordam pela alteração do quadro normativo da OMC e pelas novas regras que serão aplicadas a todos. Justamente porque o acordo não apresenta questões intrinsecamente polêmicas, a diplomacia internacional foi pega de surpresa quando a Índia recusou-se a adotá-lo.
A despeito de concordar com todos os termos do acordo e das medidas de facilitação de comércio, a Índia exigiu maiores concessões na esfera agrícola, setor de delicada liberalização.
De fato, o pacote de medidas negociadas em Bali no final de 2013 também previa a negociação sobre subsídios agrícolas. A Índia pretende aprofundar a negociação sobre subsídios agrícolas permitidos para garantir a segurança alimentar dos indianos. Nesse sentido, a não aceitação do acordo, pela Índia, foi um instrumento de pressão diplomática para forçar a ampliação desses limites de subsídios.
Neste momento, pairam grandes questionamentos sobre o caminho a ser seguido para a aplicação do acordo no futuro e das possíveis perspectivas de negociação multilateral na Organização Mundial do Comércio.
Como a modificação do quadro normativo da OMC depende da aprovação por unanimidade de todos os países membros, cabe destacar que uma futura negociação ainda pode ser bem sucedida e o acordo, adotado. Atualmente, a OMC está em recesso e o retorno de suas atividades em setembro pode significar um desfecho bem sucedido para as dificuldades diplomáticas enfrentadas pela organização, o que poderia incluir soluções alternativas para a implementação do acordo caso a oposição indiana não seja resolvida apropriadamente.
Apesar da necessidade original de consenso para sua aprovação, aventa-se a possibilidade de modificar o acordo para um modelo diferente, um acordo “plurilateral”. Nessa perspectiva, apenas os países membros da OMC que decidissem pela aplicação do acordo seriam obrigados a alterar sua legislação e práticas domésticas.
Nesse cenário, seria necessário decidir pela aplicação seletiva das medidas de facilitação do comércio para dois tipos de parceiros comerciais. Na prática, os países teriam que criar um sistema alternativo de controle de comércio exterior para os países parte do acordo. A possibilidade de aplicação seletiva do novo acordo é de difícil execução, pois suas medidas direcionam-se precisamente à redução da burocracia no comércio internacional para todas as partes interessadas.
Eventualmente, os países membros da OMC poderiam também decidir pela aplicação indiscriminada de medidas de facilitação do comércio, independentemente da aceitação do acordo pelos demais países. Entretanto, neste cenário permitir-se-ia que alguns países atuassem como “free riders”, beneficiando-se do novo acordo sem a necessária contrapartida doméstica e de aplicação de medidas domésticas e reformas para promover a facilitação de comércio.
Outra possibilidade seria adotar o Acordo sobre Facilitação do Comércio com base na aceitação de maioria de dois terços dos países membros da OMC, vinculando inicialmente apenas os países que assim decidissem. Em sequência, mediante decisão de maioria de três quartos, os países membros que não adotarem o novo acordo dentro de um prazo definido teriam que se retirar da OMC, ou solicitar a sua permanência após aprovações dos demais países membros.
Dessa forma, poderia haver maior pressão diplomática para aceitação universal do novo acordo. Ainda assim, a perspectiva de expulsar um país da OMC é remota.
Cabe destacar a importância, para o Brasil, do Acordo sobre Facilitação do Comércio. A diplomacia brasileira é tradicionalmente voltada para promoção das negociações multilaterais e o acordo seria uma relevante conquista, pois demonstraria a viabilidade deste tipo de foro e abriria espaço para aprofundamento das discussões de temas de evidente interesse nacional – tais como acesso a mercados e fim dos subsídios agrícolas.
A simplificação dos procedimentos aduaneiros e a consequente abertura comercial que seriam gerados pela implementação do acordo no Brasil nos próximos anos poderia contribuir para o desenvolvimento do país e para a redução do chamado “custo Brasil”.
Neste momento, cabe aguardar a movimentação das missões diplomáticas em Genebra para identificar uma sinalização mais clara do futuro do novo acordo.
O acordo poderá nunca ser adotado, relegado a um decepcionante monumento ao esforço diplomático para promoção do multilateralismo na OMC. No entanto, uma vez que ele representa muito mais que uma maior liberalização do comércio para o mundo e para o Brasil, torna-se imperativo almejar um desfecho positivo para as atuais dificuldades enfrentadas pela OMC.
Fonte: Valor Econômico