[:pt]08.04.2013
Repare-se a dicotomia entre duas informações. Ambas reportam fatos dos últimos dias.
A primeira: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) oito Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), com pedido de liminar, contra decretos do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Mato Grosso. Alckmin reclama de benefícios fiscais concedidos no Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para operações com produtos específicos. Argumenta que esse tipo de desoneração tributária só poderia ser realizada por meio de lei e, unicamente, após a autorização dos demais estados e do Distrito Federal no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
E a segunda: reunidos em Brasília, representantes estaduais e do Ministério da Fazendo não chegaram a um acordo em torno da redução e da unificação do ICMS. Na tentativa de acabar com a guerra fiscal, o governo federal protocolou no Congresso Nacional um projeto de resolução que prevê a alíquota interestadual em 4% a partir de 2025. A União propôs a criação de dois mecanismos para proteção sobre eventuais perdas: o Fundo de Desenvolvimento Regional e o Fundo de Compensação. Porém, isso também não foi aceito.
Esses recortes de fatos evidenciam que a guerra fiscal entre estados chegou ao limite. Ou melhor: já passou do limite! Sequer está levando desenvolvimento a regiões menos favorecidas, como pretendera. Cria zonas de sombra com incentivos concedidos que, além de serem pouco transparentes, valem para governos posteriores – sem que os gestores seguintes os tenham aprovado. O Brasil deve tratar do assunto de maneira mais adequada e decisiva.
A disputa por investimentos através de incentivos é prática legítima de quem governa, pois essa é a regra do jogo atual. Eu mesmo, quando governador, entrei em diversas disputas para trazer empresas. E não me arrependo. Não fosse por essa decisão, por exemplo, o polo naval de Rio Grande provavelmente estaria no Rio de Janeiro ou em Pernambuco – que travaram conosco uma forte concorrência. Porém, no conjunto da lógica tributária de uma nação, não resta dúvida de que esse sistema é contraditório. E precisa mudar.
Há uma centena de questões tributárias cuja análise foi interrompida por pedidos de vista no STF, além de 113 temas fiscais com repercussão geral. Em três grandes casos — um deles de relatoria do presidente Joaquim Barbosa —, que estão prontos para análise do plenário, a soma em discussão fica na casa de R$ 110 bilhões. Outro caso, em tramitação mais preliminar, aos cuidados do ministro relator Celso de Mello, trata da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, o que coloca em jogo R$ 89,4 bilhões. As recentes ações de São Paulo entram nesse emaranhado de pendências.
Mesmo sem informações oficiais de todos os tribunais, estima-se que cerca de 300 mil processos estejam sobrestados. Apenas no Tribunal de Justiça de São Paulo são quase 45 mil. No Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, mais de seis mil. No TRF da 1ª Região, cerca de 13 mil autos aguardam julgamento tributário. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), há quatro mil processos parados, sendo dois mil de temas fiscais.
Vivemos um hiato de completa insegurança jurídica em relação a essa pauta. De um lado, os benefícios vão sendo concedidos sem uma regulamentação uniforme. De outro, o STF demora para fazer o julgamento. Para completar, não há indicativos de que os governadores cheguem a um acordo. O parlamento, idem – no Senado, a tramitação está adormecida há mais de uma década. Incluo outro agravante: não há uma eficiente condução do governo federal nesse sentido. Num regime presidencialista como o nosso, a decisão do Executivo sobre o tema certamente faria com que avançasse de verdade. Não é o que vemos.
O STF, no entanto, tem dado indicativos do caminho de suas decisões. O entendimento é de que as unidades da Federação não podem conceder benefícios fiscais sem acordo entre todas as secretarias de Fazenda através do Confaz. Em 2011, por exemplo, foram derrubadas leis de incentivo de diversos estados, inclusive de São Paulo – que agora advoga contra diplomas legais de origem semelhante. Todas as normas permitiam afrouxamento na cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Na oportunidade, o Supremo determinou que a concessão de benefícios de forma individual pelas unidades da federação é ilegal.
Portanto, se a Corte começar a decidir em maior escala, provavelmente derrubará os incentivos já concedidos – e, com eles, a credibilidade de todo o sistema, gerando grande insegurança jurídica. Isso terá inúmeras implicações no mercado. Todavia, parece que a grande dimensão do problema ainda não foi compreendida pelo Congresso Nacional e por alguns governadores.
É preciso lançar luzes sobre esse nó com urgência. Ou, muito em breve, o caos estará ainda mais evidente. A ideia de criar fundos para compensar perdas é plausível, contanto que efetivamente aplicada. Os estados também devem fazer o mesmo para prosseguir com suas políticas de desenvolvimento: criar fundos próprios, com a aprovação da Assembleia Legislativa, adotando transparência e mantendo suas estratégias de atração. Mas não se pode mais permitir o uso generalizado do ICMS para uma disputa que, no médio e longo prazos, acaba onerando a nação inteira.
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