Por Eduardo Cândia
A Lei Federal que estabeleceu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) a 12.305 completou cinco anos no dia 2 do mês passado e muito pouco do que essa norma determinou foi efetivamente realizado. Ainda não temos um plano nacional de resíduos sólidos, verdadeiro diagnóstico da situação atual dos resíduos sólidos, que deveria ser feito pela União com vigência por prazo indeterminado e horizonte de 20 anos, a ser atualizado a cada quatro anos, de sorte que já era hora de estarmos revisando este plano. Seguindo o exemplo federal, muitas entidades subnacionais Estados e municípios também não possuem ainda seus respectivos planos, diagnosticando a realidade dos seus resíduos.
Os Estados podem ajudar seus municípios a implementar muitas obrigações da lei, sem aumentar tributos Nessa mesma linha de letargia ambiental, poderíamos mencionar as atuações para a eliminação e recuperação ambiental dos lixões e aterros controlados, a implementação de coleta seletiva e sistemas de logística reversa, a destinação final ambientalmente adequada dos rejeitos, como em aterros sanitários. Como se sabe, os municípios brasileiros tinham o prazo até agosto de 2014 para eliminar os lixões, de acordo com o art. 54 da PNRS, o que não foi realizado por uma boa parte dos mais de 5,5 mil municípios.
Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, de acordo com levantamento feito pelo Centro de Apoio Operacional da Habitação e Urbanismo CAOHURB do Ministério Público Estadual, dos 79 municípios apenas 44 possuem atualmente planos municipais de gestão integrada de resíduos sólidos (PMGIRS) ou o diagnóstico de seus resíduos em planos intermunicipais, sendo que apenas sete possuem aterros sanitários com licenças válidas. De acordo com o pleito dos prefeitos, uma das razões para o descumprimento da lei tem sido a falta de recursos públicos. Pois bem.
Afora o total descompromisso da União e de boa parte dos Estados e municípios com o necessário planejamento ambiental e financeiro, o que poderia ser observado com a própria ausência do plano nacional e dos planos estaduais e municipais de gestão integrada, bem como ausência de menção nas respectivas leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA) de programas/alocações orçamentárias específicas para o cumprimento dessas obrigações ambientais, o fato é que os Estados podem ajudar seus municípios a implementarem muitas das obrigações fixadas na PNRS, sem que isso venha a acarretar qualquer aumento de tributação como, por exemplo, a criação da taxa de lixo pelo município, hipótese esta explicitamente admitida pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula Vinculante 19).
Pela Constituição Federal (art. 158, IV e parágrafo único), os Estados devem repassar aos municípios 25% do que arrecadam com o ICMS, sendo que até 1/4 desse percentual de acordo com o que dispuser a lei estadual, ou seja, cada Estado tem a liberdade de fixar, por lei estadual, o critério pelo qual irá distribuir este montante da arrecadação aos municípios. Aí entra a questão: muitos Estados criaram o chamado ICMS ecológico que, a grosso modo, é justamente a lei estadual a que se refere o dispositivo constitucional e que fixa critérios “ecológicos” para que o município possa receber parte do repasse do ICMS.
No Estado de Mato Grosso do Sul, por exemplo, a inclusão de aspectos relacionados aos resíduos sólidos no ICMS ecológico data de 2011. Em 2012, a Lei Estadual nº 4.219 passou a determinar que do percentual de 5% do repasse do ICMS, 7/10 serão destinados ao rateio entre os municípios que tenham em parte de seu território unidades de conservação da natureza e terras indígenas homologadas e apenas 3/10 serão destinados ao rateio entre os municípios que possuam plano de gestão, sistema de coleta seletiva e disposição final de resíduos sólidos.
Pensamos que é o momento de serem revistos esses percentuais e, em Estados que não contemplam o ICMS ecológico, que façam constar e priorizar em suas respectivas leis com critérios de atendimento à PNRS. A prioridade, no momento, deve ser a questão dos resíduos sólidos, seja para a imediata implantação de sistema de coleta seletiva, seja para a recuperação dos lixões e implantação de um sistema de disposição final ambientalmente adequado para os rejeitos. Esta parcela disponível da receita do ICMS deve ser direcionada para atender às necessidade sociais atuais, não podendo ser algo estanque, perpétuo e imutável.
Há de haver um dinamismo na gestão desta receita pública. No caso, tratase de uma medida relativamente simples: basta uma lei estadual alterar (ou fixar) os critérios de distribuição do ICMS que surgirão montantes financeiros consideráveis para a implementação da PNRS por parte dos municípios. Claro que poderá haver perda por parte de algum município, mas isto não pode ser um empecilho à adoção, ainda que temporária, da medida, até mesmo porque perdas individuais já ocorrem com o critério atual.
Parece-nos que este é um interessante e inteligente caminho para que os Estados possam maximizar a finalidade social do ICMS, incentivando os municípios ao cumprimento da PNRS, sem onerar o orçamento público e, melhor ainda, o bolso do contribuinte. Eduardo Cândia é doutorando em direito financeiro pela USP, mestre em direitos difusos e coletivos e especialista em direito tributário pela PUCSP, promotor de Justiça (MS).
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Fonte: Valor