Para ilustrar as disparidades que comporta o sistema, o presidente executivo da ABIHPEC, João Carlos Basilio, citou o exemplo da gravata, que é isenta de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – o tributo sofreu aumento para itens voltados para cuidados com a saúde e o bem-estar. Ao mesmo tempo, houve elevação de ICMS (imposto sobre circulação de mercadoria e prestação de serviços) em alguns estados. Em Minas Gerais, a alíquota sobre a pasta de dente subiu de 12% para 27%. “No Paraná, o aumento foi de 108% no protetor solar. Isso num estado em que há predominância de pessoas de pele mais clara, onde o risco [de câncer] é muito maior.”
No primeiro painel do seminário, a economista Cláudia Viegas, da LCA Consultores, apresentou um estudo mostrando que os gastos com perfume e produtos para cabelo, por exemplo, têm peso muito parecido em todas as faixas de renda. “Como não chamar de essencial um setor que está presente na rotina diária de todos os consumidores brasileiros?”, questionou o empresário Artur Grynbaum, presidente do Conselho Deliberativo da ABIHPEC. “Quando se fala em repelente, protetor solar, estamos falando de produtos essenciais para a saúde. Quando há um surto de dengue, o setor é procurado para colaborar”,reforçou o deputado federal Walter Ihoshi (PSD-SP).
A principal reivindicação é que a alta tributação ameaça o desempenho do segmento, que cresceu acima da média da economia brasileira nos últimos 18 anos. O excesso de alíquotas, aliado à recessão econômica, foi capaz de interromper o ciclo de expansão. “O mercado brasileiro, em dólares, retrocedeu. Lógico que tem contribuição da crise, mas também de um aumento absurdo da carga tributária que a nossa indústria suporta”, afirmou Basilio.
As altas taxas praticadas não reverberam apenas no setor, que amarga menor investimento e inovação, além de retração na demanda, mas na economia de maneira geral. Basilio citou números segundo os quais, ao alocar R$ 1 milhão no segmento, são gerados R$ 3,85 milhões em um ano – resultado superior, por exemplo, ao da agropecuária e da indústria em geral. Esse valor cria 38 empregos, R$ 601 mil em impostos e R$ 450 mil em salários. “O setor é um multiplicador e tem todas as possibilidades de gerar desenvolvimento”, defendeu o presidente da ABIHPEC.
Controvérsia e prejuízos
Parte da elevação de tributos tem ligação estreita com o decreto 8.393/15, que estendeu a incidência do IPI a estabelecimentos ata- cadistas de cosméticos. O auditor fiscal da Receita Federal Roni Peterson pontuou que a extensão atingiu apenas atacadistas vinculados à indústria. Segundo ele, em vários setores, não apenas no de higiene pessoal e cosméticos, a estrutura do negócio gerou uma “erosão na base de cálculo do IPI”. “Temos tributação só de um elo. Por vários motivos, esse elo acaba tendo uma redução dos seus valores, o que gera uma diminuição drástica na arrecadação.”
Ele ressaltou que o governo federal reconhece a essencialidade do setor e que, no caso do IPI, detectou-se que não era uniforme a tributação entre grande e pequenas indústrias. “O real motivo dessa equiparação, que está autorizada há anos, foi esse problema da base de cálculo do IPI, que acabava cando mui- to diferenciada entre grandes indústrias, que tinham seus atacadistas vinculados, e pequenas empresas.”
Mas o decreto 8.393/15 tem recebido duras críticas de especialistas. O estudo apresentado por Cláudia Viegas avalia que ele “afronta a lógica do modelo de negócios do setor.” A reversão da medida, ressalta a economista, seria capaz de gerar efeito positivo. “Se esse setor cresce, leva a reboque uma série de outros.” A ABIHPEC questiona a legalidade do decreto na Justiça e tem obtido sentenças favoráveis. De qualquer forma, analisou Cláudia, trata-se de um fator que “contribui para tornar o ambiente de negócios ainda mais inseguro.”
A advogada Lucilene Prado, conselheira de pesquisas do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), argumentou que o decreto procura artificialmente fazer uma reforma tributária que já deveria ter sido realizada no Brasil. Em sua análise, é um contrassenso fazer incidir no varejo um tributo de fase industrial. “O setor paga um preço muito alto por essa reforma tributária atrasada. Se a falta de produtividade é um dos cânceres da economia, outro, com absoluta certeza, é a tributação. Com o IPI tentamos, por meio de mudanças na legislação, provocar a reforma que até hoje não foi feita.”
No mesmo tom de crítica, o advogado especializado em direito tributário Júlio Oliveira classificou o sistema brasileiro como o mais complexo do mundo – o que, por consequência, gera um alto índice de judicialização em inúmeros setores da economia. “Há um grau mínimo de segurança jurídica que nosso sistema tributário não permite. E empresas sérias sofrem muito com isso.”
“Um Frankenstein cheio de remendos”
Também participou do debate o deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), relator da Comissão Especial da Reforma Tributária. A proposta em discussão na Câmara defende a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), ao qual seriam incorporados IPI e ICMS, entre outros.
“Do ponto de vista jurídico, temos um manicômio tributário. Do ponto de vista institucional, um Frankenstein cheio de remendos, enlouquecendo auditores, empresários e consumidores. Ninguém entende. Tornou-se complexo demais. As iniquidades e inconsistências são tantas que a população não sabe o que está pagando.”
O deputado citou como uma característica do modelo nacional a concentração da arrecadação na tributação sobre o consumo, em detrimento da arrecadação sobre a renda. “Os pobres do Brasil pagam quase o dobro dos impostos dos ricos.”
Para ele, esse mesmo sistema que prejudica o consumidor prejudica a indústria, já que as empresas nacionais não têm condições de concorrer com as de fora, a não ser que seja monopólio, oligopólio, cartel ou que tenha o famigerado incentivo fiscal temporário. Na análise do parlamentar, “não há saída para o Brasil sem uma reengenharia tributária. Aumentar impostos vai tirar mais dinheiro da economia.”
Fonte: Estadão