O segmento de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos (HPPC) figura entre os três que que mais investem em inovação no Brasil. Mas o dinamismo desse mercado não é acompanhado pela regulamentação. A análise é da representante da indústria do setor, Ariadne Morais, uma das debatedoras do seminário organizado pela ABIHPEC. “O ponto que nos preocupa é que tudo isso passa pela capacitação. O setor está pronto para trazer inovações, mas nem sempre a regulamentação acompanha. E não encontramos alternativas para contornar as barreiras, porque são leis.”
O gerente de Cosméticos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), João Tavares Neto, reconheceu que as novidades chegam como avalanches sobre os órgãos encarregados da fiscalização e que a necessidade de uma ação reguladora atualizada e com conhecimento é inexorável. Ele destacou como ponto positivo a participação da agência na International Cooperation on Cosmetics Regulation (em português, Cooperação Internacional na Regulação de Cosméticos), grupo composto por autoridades reguladoras do Canadá, da União Europeia, do Japão, dos Estados Unidos e do Brasil — o País foi aceito como membro em 2010. “Estar no fórum internacional nos coloca num nível de debate muito alto. Inclusive, temos o papel de trazer isso para o Mercosul.”
Ele argumentou que o fato de cosméticos terem sido incluídos na mesma lei de medicamentos contaminou a regulação. Esse detalhe fez com que o nível de exigência para a aprovação de itens simples se assemelhasse ao de repelentes e protetores solares, que aparecem na lista dos chamados “produtos grau 2”, aqueles que possuem indicações específicas, cujas características exigem comprovação de segurança e eficácia. “Precisamos do conhecimento para ponderar nossa ação, não tratar tudo como se fosse o mesmo risco”, declarou.
Fator tempo
Ariadne citou uma série de marcos para demonstrar a importância da contribuição da Anvisa no processo de crescimento do setor de HPPC no Brasil nos últimos anos. Mas, de acordo com ela, a partir de 2015, a busca por simplificação e desburocratização, alinhada com as melhores práticas internacionais, deu lugar a uma regulação mais restritiva. “Em alguns casos, houve retrocesso em termos de requerimentos técnicos e prazos.”
E uma das questões é justamente em relação ao tempo de análise de produtos, considerado demasiadamente longo. “Cosméticos infantis, protetor solar, repelentes de insetos levam em torno de quatro a cinco meses para serem aprovados. Estamos equiparados à República Dominicana e perdemos para Nicarágua, Honduras e Panamá. Ainda há muita coisa para melhorar, embora tenha ocorrido evolução”, disse a representante da indústria de HPPC, após a alegação de Tavares de que a Anvisa agilizou o processo e assumiu a responsabilidade por dispensar de registro 97% de produtos na categoria, focando apenas nos de grau 2.
O tempo de análise também foi um ponto abordado pelo professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Gonzalo Vecina Neto, que já presidiu a Anvisa. “Eu me penitencio pela agência não ter conseguido dar atenção que o tempo merecia. Temos de fazer gestão de risco respeitando o setor e obedecendo prazos. E nos preparar para a revolução tecnológica que está ocorrendo.”
Ariadne destacou que esse cenário têm feito com que algumas empresas optem por não fabricar e registrar produtos no Brasil, buscando países comum sistema de regularização de cosméticos simplificado. Para ela, o enfoque deve ser no pós-mercado. “Não significa que se vá deixar de cumprir requerimentos ou ter regulamentos em relação aos produtos de higiene pessoal e cosméticos, mas a vigilância sanitária de fato vai acontecer no mercado, e não no papel.”
Ela defendeu ainda a criação de um sistema mais ágil, que não seja travado por procedimentos burocráticos. “Tínhamos de ter uma espécie de sistema modernizado, seja em termos de novos ingredientes, seja de novas tecnologias, e não ficar discutindo como colocar mais barreiras regulatórias. O foco deveria ser, cada vez mais, na capacitação, tanto do setor regulado quanto do regulador.”
“Pujança econômica”
O ex-presidente da Anvisa destacou que 60% da produção latinoamericana de cosméticos é realizada no Brasil e que o setor é um grande gerador de empregos. Para Gonzalo, um setor com a “punjança econômica” da indústria de higiene pessoal, perfumaria e cos- méticos precisa “ser tratado a pão-de- ló. Temos que melhorar a capacidade do Estado brasileiro de reconhecer setores que geram emprego”.
Fonte: Estadão